O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) participa nesta quinta-feira (6/11) da Cúpula do Clima de Belém, um encontro que reunirá delegações de 143 países em Belém. O evento termina na sexta-feira (7/11) e antecede a abertura oficial da 30ª Conferência das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas, conhecida como COP30.
As COPs são reuniões anuais realizadas pela ONU em que países de todo o mundo debatem medidas e mecanismos a serem adotados para combater as causas e os efeitos das mudanças climáticas em escala global. A cada ano, essa conferência acontece em uma cidade diferente e, neste ano, a sede será na capital paraense.
Na prática, a Cúpula do Clima é uma espécie de “pontapé inicial” para a maratona de negociações da COP, que começará oficialmente na segunda-feira (10/11) e que vai até o dia 21 deste mês, atraindo aproximadamente 100 mil pessoas para a cidade e chamando a atenção em nível internacional por conta da emergência da crise climática global.
Estão confirmadas as presenças do presidente da França, Emmanuel Macron, do primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, da presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, além de outras lideranças internacionais.
A COP30 é tida por diplomatas e observadores como a maior aposta diplomática do governo Lula neste terceiro mandato. A expectativa é de que, no ano que vem, o presidente se dedique mais à pauta doméstica, uma vez que pretende disputar a reeleição em 2026.
Durante os últimos meses, as atenções sobre a COP30 se voltaram para questões logísticas envolvendo a cidade de Belém como a escassez de leitos de hotel e problemas de trânsito.
Mas apesar do trânsito carregado na capital paraense e de diversas delegações terem que reduzir seus tamanhos para participar do evento, tudo indica que a COP30 vai se realizar de um jeito ou de outro.
Mas o que governo Lula espera alcançar durante a COP30? Quais os objetivos idealizados pela equipe do petista quando o país lançou sua candidatura para o evento, quais já foram ou poderão ser alcançados? E quais os principais nós que a diplomacia brasileira terá que contornar para evitar que a COP30 seja encarada como um fracasso?
Projeção internacional
Para o professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), da Fundação Getúlio Vargas e do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) Eduardo Viola, um dos principais objetivos de Lula ao lançar o Brasil para receber e presidir a COP30 era projetar o país como uma liderança climática global.
Segundo ele, Lula quis aproveitar a abertura de um vácuo de liderança climática deixado pela União Europeia em função do guerra na Ucrânia, iniciada pela Rússia em 2022.
A guerra, segundo Viola, fez com que o bloco europeu tivesse que canalizar recursos, que antes eram parcialmente destinados às mudanças climáticas, para investimentos em defesa, em função do temor gerado pela invasão russa ao território ucraniano.
“Lula quis se apresentar e apresentar o Brasil como um líder climático em um momento bastante crítico. O objetivo é fazer com que o país atue como um formulador das regras internacionais e não apenas como um mero cumpridor de normas estabelecidas por outros países. Isso faz parte da tradição diplomática brasileira”, disse Viola.
A avaliação do cientista político e especialista em políticas climáticas da organização não-governamental Talanoa, Caio Victor Vieira, é semelhante.
Segundo ele, o Brasil viveu um momento de retração diplomática durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (2019 a 2022). A gestão do petista, por outro lado, apostou em diversos fóruns multilaterais como estratégia para retomar a inserção internacional do Brasil.
Em 2023, o Brasil sediou a Cúpula da Amazônia, que reuniu líderes dos países da região amazônica. O país também presidiu a cúpula do G20 (grupo que reúne as 20 maiores economias do mundo), em 2024 e a Cúpula dos Brics (bloco de 11 países com economias emergentes), em julho deste ano. Segundo Vieira, até o momento, o objetivo parece estar sendo alcançado.
“O Brasil se dispôs a receber e presidir a COP 30 para voltar a ser um ator principal nas pautas relacionadas com o clima e a outras pautas consideradas progressistas”, diz Vieira à BBC News Brasil. “O Brasil voltou ao centro das discussões internacionais. O país voltou a ser pop”, diz Vieira.
Defesa do multilateralismo
A aposta na pauta ambiental feita por Lula tem como pano de fundo, diz Eduardo Viola, um foco no chamado multilateralismo. Trata-se de uma abordagem que prioriza alianças com diversos países em torno de objetivos comuns em detrimento de uma política externa isolacionista e centrada apenas nos interesses do próprio país.
Segundo ele, o multilateralismo é uma estratégia de sobrevivência para nações como o Brasil, que não são potências econômicas ou militares.
Essa aposta, no entanto, teve um revés significativo em 2024: a eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos.
“Este foi o pior momento para presidir uma COP porque Trump está colocando em prática uma política externa totalmente contra o multilateralismo e contra as pautas climáticas”, afirma o professor.
Trump foi eleito defendendo pautas como o fim de subsídios a energias renováveis, o aumento nos investimentos em combustíveis fósseis e tem adotado um discurso que coloca em xeque o consenso científico sobre as mudanças climáticas.
Um de seus primeiros anúncios após a vencer as eleições foi a de que os Estados Unidos se retirariam do Acordo de Paris, firmado em 2015, e que é considerado a espinha dorsal do sistema global de combate às mudanças do clima.
Além disso, Trump defende uma política internacional isolacionista que ficou conhecida pelo slogan “America First” (América em primeiro lugar, em tradução livre).
Seu discurso durante a Assembleia Geral da ONU, em setembro, foi uma amostra da sua posição sobre o assunto.
“A pegada de carbono é uma farsa inventada por pessoas com más intenções e que estão trilhando um caminho de destruição total”, disse Trump.
A saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris só deverá se efetivar a partir do ano que vem. Neste ano, o país ainda deverá participar da COP30, mas com uma delegação diplomática sem líderes com representatividade política. Mas o anúncio da saída do país do acordo foi sentido como um duro golpe contra as políticas de combate às mudanças climáticas por dois motivos.
O primeiro é que os Estados Unidos são, individualmente, o segundo maior emissor de gases do efeito estufa, atrás apenas da China. Sua saída do acordo significa que um dos principais responsáveis pelas mudanças climáticas não estará engajado em nível nacional na redução de suas emissões.
O segundo é que como maior economia do mundo, os Estados Unidos era visto como uma potencial fonte de recursos para o financiamento de ações voltadas ao combate aos efeitos das mudanças climáticas.
A dificuldade imposta pela saída dos Estados Unidos foi apontada pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, durante uma entrevista coletiva no final de outubro.
“Existe o risco de ponto de não retorno em relação ao sistema multilateral, que vem sendo enfraquecido. A COP é a oportunidade de fortalecermos o multilaterlismo climático. E pra fortalecer é preciso reestrabelecer confiança, cooperação e solidariedade. Como fazer isso num ambiente, que vocês sabem, (está) bastante difícil em termos geopolíticos?”, disse
Para a diretora-executiva e co-fundadora do instituto de pesquisas independente Plataforma Cipó, Maiara Folly, a aposta no multilateralismo climático feita por Lula, até agora, se mostrou bem-sucedida.
“Apesar de os Estados Unidos terem saído do Acordo de Paris, nós não vimos um movimento de outros países fazendo o mesmo movimento. O Brasil tem sido bem-sucedido em manter os demais países engajados no processo de negociação climática”, diz Folly.
Ganhos domésticos
Para Eduardo Viola, Lula também tinha como objetivo fazer da COP 30 uma plataforma de prestígio doméstico, angariando o apoio de segmentos da população identificados com as pautas climáticas, ambientais e de defesa dos direitos humanos.
Historicamente, esses setores são mais identificados com a esquerda brasileira.
O problema, segundo ele, é que esse objetivo não foi plenamente atingido por conta do que ele classifica como uma contradição da política ambiental de Lula.
Por um lado, o governo anunciou a menor taxa de desmatamento na Amazônia desde 2017, chegando a 5.796 quilômetros quadrados entre julho de 2024 e agosto de 2025.
Por outro, no entanto, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) liberou uma licença ambiental para a Petrobras pesquisar a existência de petróleo na bacia sedimentar da Foz do Amazonas, contrariando cientistas e ambientalistas que alertam para os riscos de ampliar a produção de petróleo no Brasil.
Lula, em Belém, afirmou que o Brasil não poderia ser “irresponsável” e abrir mão do petróleo neste momento, apesar dos alertas da comunidade científica.
“Seria incoerente se eu, em um ato de irresponsabilidade, dissesse que não vamos mais usar petróleo. Porque não sobreviveríamos sem isso. E poucos países estão mais próximos do que nós de sobreviver sem isso”, disse Lula em uma entrevista coletiva a agências internacionais na terça-feira (4/11).
“Foi como um tiro que saiu pela culatra porque, ao mesmo tempo em que ele atraiu muita atenção para si e para o Brasil, parte das pessoas começou a questionar essa ambiguidade da política climática dele”, diz Viola.
Gargalos da COP30
Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil pontuam que apesar dos objetivos traçados pelo governo para a COP30, a diplomacia brasileira terá pelo menos três “gargalos” com os quais lidar nos próximos dias.
O primeiro é em relação às fontes de financiamento para as medidas voltadas à transição ecológica, adaptação e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas.
O embate histórico e que deve ser reeditado em Belém é entre os países em desenvolvimento e os desenvolvidos.
As nações mais pobres, mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas e que, historicamente, contribuíram menos para o efeito estufa porque emitiram menos carbono na atmosfera, querem que os países ricos se comprometam a aumentar o volume de recursos destinados ao combate à crise climática.
Os desenvolvidos, por sua vez, hesitam em se comprometer com mais recursos.
Na COP15, em 2009, na Dinamarca, os países ricos se comprometeram a atingir uma meta de US$ 100 bilhões para ajudar nações em desenvolvimento a lidarem com as mudanças climáticas até 2020. O valor, de acordo com especialistas, nunca foi efetivamente atingido.
Na COP29, em Baku, capital do Azerbaijão, o impasse voltou a se repetir. Na ocasião, os países em desenvolvimento pediram investimento de US$ 1,3 trilhão anuais até 2035.
Os países ricos, no entanto, rejeitaram a demanda e houve um acordo para que o valor ficasse em US$ 300 bilhões até aquele ano, mas com o compromisso de que, em Belém, fosse entregue uma espécie de “mapa do caminho” para se chegar a US$ 1,3 trilhão.
Esse “mapa”, feito em conjunto pela presidência da COP29 e da COP30 foi entregue na quarta-feira e defende medidas como mudanças nas políticas de subsídios a combustíveis fósseis, tributação de jatinhos e de super-ricos.
O documento, no entanto, ainda precisa ser formalmente recebido pelos negociadores da COP30, o que só acontecerá a partir da semana que vem.
“O grau de satisfação dos países com relação a esse mapa do caminho vai ser um termômetro importante de sucesso para a COP30, além de, claro, soluções que, de fato, entreguem esse financiamento de forma efetiva”, diz Maiara Folly.
Para Vieira, do Instituto Talanoa, há risco de impasse nas conversas sobre financiamento. “Se esse mapa do caminho for interpretado como muito vago pelos países em desenvolvimento, eles irão reclamar. Mas se ele for muito assertivo, os países desenvolvidos é que irão se mobilizar”, afirma.
Viola diz que, apesar de a COP30 não ter entre suas obrigações o objetivo de chegar a um novo acordo sobre valores para o combate às mudanças climáticas, o tema deverá permear a maior parte das negociações nos próximos dias.
“A pressão vai ser grande para a presidência brasileira porque os países em desenvolvimento vão voltar a pressionar as nações ricas para que elas se comprometam com mais recursos. Será uma posição difícil para o Brasil porque, historicamente, o país sempre esteve ao lado do pleito dos países em desenvolvimento. Mas agora, o Brasil precisa encontrar uma forma de evitar um colapso nas negociações”, diz Eduardo Viola.
Uma das apostas do governo brasileiro em relação ao financiamento de ações para o combate às mudanças climáticas foi a criação do Fundo Florestas Tropicais para Sempre, cuja sigla em inglês é TFFF.
O lançamento oficial do fundo será nesta semana e a expectativa do governo é de que ele possa, no longo prazo, arrecadar até US$ 125 bilhões.
Segundo o governo brasileiro, o fundo vai reunir aportes de governos e entidades privadas que serão investidos em títulos soberanos para gerar juros que irão remunerar países com florestas tropicais que se comprometerem a desenvolver projetos que reduzem o desmatamento.
Até agora, no entanto, apenas o Brasil anunciou, oficialmente, um valor para aportar no fundo: US$ 1 bilhão. A Indonésia também já afirmou que faria um investimento no fundo, mas não revelou o valor e nem quando isso aconteceria.
Um diplomata ouvido pela BBC News Brasil em caráter reservado afirmou que esta é uma das principais “entregas” previstas pelo governo brasileiro na COP30 e que um número razoável de investidores anunciados durante a conferência será uma boa régua do sucesso da iniciativa.
Poucas metas entregues
Outro ponto de atenção para o Brasil é o fato de que até o início deste mês, apenas 64 países haviam divulgado suas novas contribuições nacionalmente determinadas ou NDCs, na sigla em inglês. O Brasil está neste grupo.
A meta era de que 125 países entregassem esses documentos até o início da COP30. Ao todo, 198 países precisam divulgar suas NDCs.
O primeiro prazo para a entrega expirou em fevereiro deste ano. Um novo prazo se esgotou em setembro, mas não há mecanismos que obrigam os países a apresentarem suas metas.
As NDCs são documentos elaborados pelos governos de cada país parte do Acordo de Paris e que contém as suas metas de redução de emissão dos gases do efeito estufa.
É com base nessas metas que cientistas calculam quão próximo ou longe o mundo está de atingir o limite de aquecimento global de 1,5º acima dos níveis pré-industriais. Esse é o número considerado limite para evitar as consequências mais graves das mudanças climáticas.
A demora de países em divulgar suas metas gerou reclamações públicas do embaixador André Correa do Lago, no mês passado, quando ele chegou afirmar que estava “frustrado” com a quantidade de entregas.
Na quarta-feira, a União Europeia divulgou sua NDC, há pouco menos de uma semana do início da COP, mas países como a Índia e os Estados Unidos, grandes emissores de gases do efeito estufa, não o fizeram.
A NDC atual do Brasil, por exemplo, estabeleceu uma meta de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 53% até 2030 e zerar as emissões líquidas até 2050.
Nesta semana, um relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) apontou que além haver poucas NDCs divulgadas, as que já são conhecidas indicam metas de redução das emissões aquém do que seria necessário para evitar o aumento da temperatura global em 1,5ºC.
“O cenário é preocupante. A gente identifica que há uma tendência de queda das emissões de cerca de 10% se essas NDCs forem cumpridas. Mas isso fica muito abaixo do necessário, porque o que a ciência indica é que a gente precisa de uma redução de pelo menos 60% até 2030”, diz Maiara Folly.
Petróleo no horizonte
Eduardo Viola avalia que outro ponto que deve gerar tensão durante a COP30 serão as discussões em torno da transição energética.
Historicamente, de um lado estão ambientalistas, delegações de países ameaçados pelo avanço do nível dos oceanos e cientistas que defendem a redução drástica na utilização de combustíveis fósseis, principal fonte de emissão dos gases do efeito estufa.
De outro, países desenvolvidos e em desenvolvimento dependentes da produção ou do consumo de combustíveis fósseis, além de empresas do setor petroleiro, pressionam na direção contrária.
Em 2023, a COP28 terminou com um consenso segundo o qual o mundo teria que fazer uma transição para se distanciar do uso de combustíveis fósseis. A declaração, no entanto, não estabeleceu metas para que isso acontecesse.
A transição energética é um dos temas que será abordado durante as discussões da COP30, mas não há um mandato oficial para que a conferência determine metas ou prazos para que essa transição aconteça.
Viola, no entanto, avalia que a emergência da crise climática pode gerar uma pressão para que o tema seja debatido com mais assertividade durante a COP30. E isso, como o professor disse anteriormente, pode colocar o Brasil em uma “saia-justa”.
“O Brasil, hoje, não tem legitimidade para liderar esse tipo de conversa sobre transição para longe do petróleo porque o Brasil está expandindo sua produção na contramão do que a ciência diz”, afirmou o professor.
“O Brasil acabou de abrir um poço pra pesquisa de petróleo no bioma onde acontece a COP30. Infelizmente, o Brasil não terá legitimidade para liderar uma discussão sobre transição energética neste momento”, disse Caio Victor Vieira.
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