Há tempos o professor e pesquisador Egídio Dórea, 59 anos, está no meu radar de entrevistados para a coluna, mas foi só recentemente que, graças à professora Ana Cristina Limongi-França, da Poli-USP, consegui me conectar a ele. Doutor em Nefrologia pela Faculdade de Medicina da USP e coordenador do USP 60+, Egídio tem sido, em meio ao burburinho, uma voz coerente sobre envelhecimento saudável.
“O Brasil está envelhecendo mal”, diz ele — embora ressalte que esse não seja um privilégio só nosso. Segundo o professor, pesquisas mostram uma diferença de cerca de dez anos entre a nossa expectativa de vida (o número médio de anos que uma pessoa pode viver desde o nascimento) e a expectativa de vida saudável (número médio de anos com boa qualidade de vida e saúde funcional). Ou seja, em média, podemos esperar passar dez anos da velhice com a saúde debilitada ou algum grau de incapacidade.
Isso não é nada bom para um país que está invertendo rapidamente sua pirâmide demográfica. Em 2027, o Paraná, por exemplo, terá mais idosos do que jovens com menos de 15 anos (escrevi sobre isso em julho). “Só vamos mudar essa realidade com promoção, prevenção e diagnóstico precoce, além de controle e reabilitação”, afirma o médico, que atende no ambulatório de promoção do envelhecimento saudável do Hospital das Clínicas da USP.
O problema? O país parece mais preocupado com soluções cosméticas do que estruturais. Peço a opinião dele sobre duas ações recentes que chamaram minha atenção. A primeira: a cidade de São Paulo está criando vagas de estacionamento 60+ nos bairros nobres: “É mais fácil desmarcar uma vaga do que criar ambientes em que as pessoas mais velhas possam socializar na periferia.”
A segunda: o Paraná está construindo dezenas de residenciais voltados para o mesmo público: “Não adianta criar guetos para isolar ainda mais essas pessoas.” O professor sonha com os microbairros de Paris que oferecem trabalho, entretenimento, lazer, comércio e moradia para várias gerações. “Isso seria o ideal”, diz.
Egídio defende políticas públicas não só de saúde — é preciso também atuar nas dimensões econômica e social. “Nós temos um país completamente desigual. Como falar em longevidade saudável quando o morador do bairro de Pinheiros, em São Paulo, tem expectativa de vida de 82 anos, e o do Distrito Anhanguera, de apenas 58?” (Os dados são do Mapa da Desigualdade, feito pela Rede Nossa São Paulo e divulgado em 2024).
Como 2026 será ano de eleição, peço ao professor que me ajude a entender qual deveria ser a pauta de Brasília para promover o envelhecimento saudável. Ele me surpreende ao citar, em primeiro lugar, a necessidade de educar os jovens sobre o processo de envelhecimento. “Precisamos desconstruir os estereótipos que começam cedo, ainda na escola, e fazer com que percebam a velhice de forma positiva, porque isso impactará a maneira como vão envelhecer.”
A segunda providência seria oferecer centros culturais nas áreas que mais precisam, como as periferias das grandes cidades. “Ninguém precisa de mais uma biblioteca ou de mais uma praça nos Jardins.” Em terceiro lugar, defende a criação de políticas públicas de saúde pautadas pelo cuidado e pela prevenção. Egídio cita estudo da consultoria McKinsey que mostra ser possível adicionar 6,5 anos de vida saudável a uma pessoa apenas com ações de promoção e prevenção.
Por fim, peço sua visão de especialista sobre as doenças crônicas, principal causa de mortalidade no mundo — como as cardiovasculares, o diabetes e a obesidade. Segundo Egídio, 80% delas decorrem de determinantes sociais, como educação, segurança alimentar e trabalho.
Para lidar efetivamente com a doença crônica, é preciso investir na prevenção. Não basta diagnosticar quando ela já está presente — é preciso ir à causa, sobre a qual o velho dos Jardins tem influência, mas o do Distrito Anhanguera, não. Brasília precisa acordar.





