Governos começam a se tornar o principal campo de testes da nova geração de inteligência artificial. O Global AI Readiness Index 2025, da Salesforce, indica que a adoção de agentes de IA pode aumentar até 327% nos próximos dois anos, impulsionada pela tentativa de fazer mais com menos. O estudo projeta ganhos potenciais de produtividade de até 30%, com maior impacto esperado no setor público.
A chamada IA agêntica marca o início de uma fase em que sistemas deixam de apenas responder a comandos e passam a planejar, raciocinar e agir de forma autônoma. Esses agentes começam a ser usados em testes de automação de rotinas administrativas, organização de bases de dados e atendimento a cidadãos em tempo real. O relatório descreve essa tecnologia como “a combinação de cognição e ação” e aponta a administração pública como o primeiro espaço em que essa virada pode se concretizar.
O índice mede o nível de prontidão de 16 países em cinco dimensões: regulação, que avalia o ambiente legal e de governança da IA; difusão, que analisa o grau de adoção das tecnologias no tecido produtivo; inovação, que observa a capacidade de pesquisa e desenvolvimento local; investimento, que considera a disponibilidade de capital público e privado; e capital humano, que mensura a qualificação de profissionais e políticas de capacitação. Cada dimensão recebe uma nota de zero a dez, totalizando cinquenta pontos possíveis.
Singapura, Reino Unido e EUA avançam na integração da IA à gestão pública
Os três países mais bem posicionados no índice — Estados Unidos, Singapura e Reino Unido — tratam a IA como infraestrutura de Estado.
Nos EUA, a adoção ocorre por meio de agências setoriais, com forte presença do setor privado e foco em aplicações econômicas de alto impacto. Singapura usa diretrizes específicas de contratação e padrões de interoperabilidade em seu Public Sector AI Playbook. O Reino Unido aplica agentes de IA em triagem de serviços de saúde e na supervisão de risco financeiro.
A Salesforce descreve esses casos como exemplos de “governos habilitadores”, que não se limitam a regular, mas também desenvolvem e testam soluções em escala.
No Brasil, o movimento ainda é incipiente, mas segue a mesma lógica. “As empresas têm o conteúdo e a tecnologia, mas nunca terão a capilaridade que o Estado tem”, disse Pedro Brasileiro, líder de Relações Governamentais da Salesforce no país. “Só redes como o SUS, universidades e escolas técnicas conseguem atingir milhões de pessoas. O segredo é conectar essas pontes: governo, empresas e instituições de ensino.”
Brasil testa aplicações, mas ainda sem coordenação nacional
O Brasil aparece com 18 pontos no ranking, abaixo da média global de 22,1. O país apresenta bom desempenho em regulação (8,5 de 10) e difusão (5,0), mas pontua baixo em investimento (0,4) e capital humano (3,5). O relatório cita pilotos de automação no setor público e programas de capacitação, mas ressalta a falta de uma estratégia unificada que integre tecnologia, orçamento e governança.
Para Brasileiro, o principal obstáculo está menos na regulação e mais na execução. “O Brasil tem estratégia, mas não tem execução coordenada”, afirmou. Ele cita a ausência de integração entre bancos de dados públicos e a escassez de programas de capacitação sustentados. “Temos um volume de dados gigantesco no SUS, no Inep, na Defensoria, mas falta uma base pública integrada que permita aplicar IA com segurança e governança.”
O exemplo mais estruturado é a parceria entre a Salesforce e o governo do Rio Grande do Sul, voltada à formação de 1,5 milhão de pessoas em habilidades digitais e IA. A iniciativa combina qualificação e experimentação prática em serviços públicos, mas permanece isolada do planejamento federal.
O executivo da Salesforce defende que a transformação digital do serviço público depende de modelos de tutoria e acompanhamento de alunos. “Não basta abrir vagas em cursos de IA. O desafio é fazer as pessoas concluírem as trilhas e aplicarem o conhecimento. É como na escola: o aluno precisa de orientação e percepção de relevância para seguir até o fim.”
No programa do Rio Grande do Sul, a Salesforce doou recursos ao Instituto Caldeira para justamente acompanhar grupos de alunos. Segundo Pedro, “sem esse suporte humano, a evasão em cursos de tecnologia é altíssima”.
Administração pública tende a ser o vetor da próxima onda
Segundo a Salesforce, os governos têm potencial para se tornarem os principais usuários da IA agêntica, por concentrarem grandes volumes de dados e tarefas repetitivas. O relatório recomenda que países reformulem regras de compras públicas, criem Centros de Excelência em IA e estabeleçam sandboxes regulatórios para testes de agentes autônomos em ambientes controlados.
A meta é automatizar processos que hoje consomem tempo e orçamento: concessão de benefícios, licenças, fiscalizações e consultas de dados. Se implementadas, essas soluções podem levar a IA do campo da inovação para o da infraestrutura administrativa.
No Brasil, a adoção ainda é esparsa e marcada por projetos-piloto. Há iniciativas de digitalização no governo federal e em prefeituras, mas a falta de integração de bases de dados e a carência de servidores especializados continuam como barreiras.
A dificuldade de financiamento aparece como outro gargalo. Brasileiro afirma que a barreira não está apenas no custo da tecnologia, mas na falta de um ecossistema nacional de fomento. “BNDES e Finep têm feito um bom trabalho, mas precisamos de outros atores investindo. As capitais e governos estaduais poderiam ser os primeiros a escalar a IA agêntica se houvesse coordenação e fluxo de recursos.”
O déficit de talentos e o risco de dependência
A dimensão de capital humano é o ponto mais frágil do ranking global. Mesmo entre países líderes, há escassez de profissionais capazes de desenhar e supervisionar sistemas autônomos. No Brasil, o desafio é duplo: qualificar servidores e reduzir a dependência de fornecedores estrangeiros.
O relatório defende que a formação técnica e a autonomia institucional caminhem juntas para que governos possam compreender e controlar os agentes que adotam. Sem isso, há risco de a automação pública reproduzir desigualdades e opacidade nas decisões.
Brasileiro lembra que o próprio modelo de capacitação pública pode se tornar um diferencial competitivo se for conduzido em escala. “Nenhum outro país tem um sistema como o SUS. Se o Brasil conseguir integrar esses dados com segurança e formar profissionais dentro da máquina pública, pode se tornar um laboratório global de IA agêntica aplicada a políticas públicas.”






