A sucessão continua sendo uma das maiores vulnerabilidades das empresas brasileiras. Levantamentos recorrentes desde 2019 indicam que a maioria ainda trata a transição de liderança como um imprevisto, não como parte essencial da gestão. Em um país onde nove em cada dez companhias são familiares, essa omissão compromete a continuidade dos negócios, a estabilidade do emprego e a competitividade da economia.
O problema não se restringe às organizações familiares. Grandes corporações também enfrentam dificuldades para formar sucessores de forma consistente. A diferença é de grau, não de natureza.
Naquele ano de 2019, um levantamento do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), em parceria com a PwC, revelou que 72% das empresas familiares brasileiras não possuíam planos estruturados de sucessão. Em 2021, o estudo global da PwC, com recorte nacional, indicou que três em cada quatro companhias ainda operavam sem protocolos de governança capazes de assegurar continuidade. Em 2023, a Talenses Executive Search constatou que 67% das grandes empresas do país, incluindo grupos nacionais de grande porte, permaneciam sem plano formal para cargos estratégicos.
O cenário recente não apresenta melhorias. Em 2025, pesquisa com gestores divulgada pelo Valor Econômico mostrou que 75,8% das organizações brasileiras não têm planos formais ou possuem apenas iniciativas parciais.
No mesmo ano, relatório do IBGC, publicado pela revista Você RH, indicou que 72% das empresas familiares seguem sem estrutura sucessória definida e alertou que até 40% delas podem não resistir até 2030. O padrão se repete: há consciência do problema, mas falta execução. A sucessão continua sendo tratada como tema sensível, mesmo entre empresas consideradas profissionais.
A sucessão depende de método, não de sorte. É uma função central da gestão desenhar fluxos de desenvolvimento, mapear potenciais e sustentar mecanismos que tornam o conhecimento transferível. Sem esse trabalho deliberado, qualquer empresa, independentemente do porte ou da estrutura de controle, permanece vulnerável ao acaso e à dependência de indivíduos.
O envelhecimento da força de trabalho, o avanço tecnológico e a reconfiguração das carreiras elevam a urgência. A substituição de talentos deixou de ser um desafio exclusivo da alta direção. Ela alcança todos os níveis da organização, de funções técnicas e operacionais à liderança executiva. Continuidade empresarial é, sobretudo, gestão de pessoas e de cultura, não apenas de governança.
Parte relevante da fragilidade decorre da cultura do “herói organizacional”, o gestor que concentra decisões e de quem todos dependem. Essa lógica, mais comum nas empresas familiares, mas também presente em grandes corporações brasileiras, cria dependências que minam a autonomia e inibem a formação de novos líderes. Em vez de preparar substitutos, protege-se figuras-chave. Quando essas pessoas saem de cena, o sistema perde equilíbrio e competitividade.
A filosofia lean oferece uma alternativa pragmática. Nela, a liderança arquiteta a continuidade e desenvolve pessoas capazes de resolver problemas, aprimorar processos e sustentar resultados sem depender de indivíduos específicos.
A formação de sucessores integra o próprio modo de gestão, sustentada por práticas como o OJT (On-the-Job Training), que transfere conhecimento de forma estruturada; a padronização, que estabiliza o trabalho e acelera a aprendizagem; e a multifuncionalidade, que amplia a autonomia das equipes e reduz a vulnerabilidade a ausências. Esses mecanismos não são acessórios: formam o alicerce da sucessão estável.
Sob essa ótica, a resiliência de uma organização não depende da permanência de pessoas, mas da maturidade dos processos. A sucessão deixa de ser um evento pontual e passa a resultar de uma prática intencional de gestão. Empresas maduras não esperam a ausência. Elas constroem capacidade de substituição como parte do funcionamento cotidiano.
Para chegar lá, é preciso mudar a lógica da liderança. O foco sai do indivíduo e vai para o conjunto. A performance isolada dá lugar à capacidade de perpetuar resultados. Arquitetar sucessores é um ato de responsabilidade institucional e visão estratégica. Significa preparar a organização para se regenerar sem rupturas, cultivando uma cultura em que o conhecimento é compartilhado, o aprendizado é contínuo, e o padrão é base para o progresso.
A sucessão é, em última instância, o reflexo da maturidade gerencial. Uma companhia que depende de pessoas específicas para existir ainda não se transformou em instituição. Planejar a continuidade não é apenas prudência: é demonstração de liderança consciente. E, em um país onde 40% das empresas familiares podem desaparecer até o fim da década, a responsabilidade pela sucessão é, acima de tudo, uma tarefa de gestão.
A continuidade não se herda, constrói-se. Essa construção começa quando cada liderança assume o papel de arquiteta do futuro e forma quem poderá – e deverá – continuar o trabalho com igual competência.






