Em 2024, a Justiça brasileira contabilizou 80 milhões de processos pendentes de julgamento, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Os números revelam a sobrecarga do Judiciário brasileiro e a necessidade de adoção de ferramentas tecnológicas para ganhos de eficiência e assertividade.
Um grande passo foi dado neste ano: em março, o CNJ aprovou um marco regulatório que permite o uso de inteligência artificial (IA) para acelerar o andamento de processos, com a exigência de que haja uma revisão feita por um juiz.
Antes disso, alguns avanços já haviam sido feitos. Desde 2023, o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) utiliza a IA em um projeto desenvolvido em conjunto com o Porto Digital, um dos principais parques tecnológicos e ambientes de inovação do país, localizado em Recife (PE). O uso da tecnologia, neste caso, foi permitido pelo Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação , decretado em 2018, que estimula a parceria entre instituições de ciência e tecnologia e órgãos públicos.
De acordo Pierre Lucena, presidente do Porto Digital, a demanda por inovação veio do próprio Tribunal, que precisava de mais eficiência para diminuir a fila de processos e atender melhor os cidadãos.
Excesso de demanda
Uma das ferramentas criadas pelo parque tecnológico e pelo TJPE em 2023 foi o “Bastião”, que identifica e reduz o excesso das demandas predatórias (processos que são abertos para pressionar financeiramente a parte contrária e obter vantagem rápida, por exemplo) e repetitivas (aquelas que têm o mesmo motivo) no Judiciário pernambucano.
Também está sendo testada a IA generativa “Maia”, que foi treinada com 764 minutas do gabinete do desembargador Alexandre Pimentel. O magistrado diz que o sistema tem uma acurácia de 92% e não alucina como os chatbots tradicionais. Mesmo assim, ele alerta para a necessidade de uma tripla revisão humana.
“O primeiro assessor revisa, coloca o nome dele e passa para o segundo assessor, que também tem que colocar uma etiqueta com o nome dele. Depois da segunda revisão, o processo vem para mim. Eu faço a terceira e última leitura”, diz o desembargador, que é membro da Comissão do Conselho Nacional de Justiça para a Regulamentação da Inteligência Artificial Generativa.
Dashboard automatizado
Segundo Pimentel, o treinamento de segurança e compliance da equipe durou cinco meses — período em que a produtividade do time acabou sendo reduzida. Em seguida, foi desenvolvido um dashboard automatizado, chamado de Veritas, para fazer a gestão dos processos no gabinete e acompanhar a revisão de casos analisados pela IA.
Com 11 meses de utilização da Maia, Pimentel afirma ter zerado o acervo de processos em seu gabinete, calculado em 4.000, com uma de taxa de 0,8% de embargos declaratórios — recurso usado para pedir ao juiz ou ao tribunal o esclarescimento de uma decisão com contradição, omissão ou erro.
Hoje, para manter o acervo em ordem, ele analisa uma média 25 minutas por dia. “Nós temos uma demanda mensal de aproximadamente 410 recursos. Esses recursos têm de sair, senão a gente acumula novamente”, explica o magistrado.
Todas as tecnologias desenvolvidas pelo TJPE e pelo Porto Digital serão reunidas em um aplicativo que será lançado em outubro no REC’n’Play, maior festival de inovação, tecnologia e cultura de Recife. O objetivo do software é facilitar o uso da inteligência artificial e atuar como um copiloto dos magistrados. “É uma espécie de copiloto para facilitar os processos de trabalho dos juízes”, diz Lucena, do Porto Digital.
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