Se você já assistiu ao filme K-Pop Demon Hunters, talvez comece a ouvir um trecho da melodia da música Golden repetindo na sua cabeça, de novo e de novo, e pode até acabar cantarolando as palavras “we’re goin’ up, up, up”.
Se isso aconteceu, você acabou de experimentar o chamado “involuntary musical imagery” ou “earworm” (verme musical, na tradução livre, que se refere aquela música que “gruda” na cabeça), segundo Emery Schubert, professor da UNSW Sydney, em artigo publicado no site The Conversation.
Segundo o especialista, mais de 90% das pessoas já passaram por isso, e os pesquisadores estão começando a entender como eles funcionam, por que acontecem, o que eles revelam sobre nosso cérebro e até como se livrar deles.
Os earworms ensinaram aos psicólogos da música que fragmentos repetidos de uma canção são reciclados a partir do mesmo local de armazenamento mental. No caso de Golden, a parte musical que acompanha “we’re goin’ up, up, up” é repetida diversas vezes.
A característica mais forte que induz à música ‘chiclete’ é a repetição contígua, ou seja, um trecho musical que se repete imediatamente e sem pausa. Músicas como Baby Shark, Can’t Get You Out of My Head da Kylie Minogue, e muitas outras contêm esse tipo de repetição — e ainda passam por períodos de exposição massiva, outro ingrediente essencial para uma música “chiclete”, porque aumenta a familiaridade.
Quando uma música se torna um objeto de desejo, a mente repete a frase musical, aparentemente indefinidamente. Isso ocorre porque a maneira como a recordação musical é organizada na mente não é como um arquivo de som ou uma gravação que toca do começo ao fim.
Em vez disso, a música é organizada de forma eficiente em “bolsos” –ou pequenos pedaços– com base na familiaridade e semelhança. Isso quer dizer que o cérebro cria um mapa mental de como as partes da música se conectam, por exemplo: “comece com essa introdução, toque o verso duas vezes, vá para o refrão e repita quatro vezes, depois volte ao verso”. Assim, ela não é armazenada em uma linha reta, mas em um conjunto de instruções.
Vários gatilhos podem iniciar uma música chiclete: ter ouvido recentemente parte (ou toda) a música, ouvir ou ver uma frase associada a ela, ou ouvir uma canção parecida.
Há também gatilhos ambientais e hábitos. Por exemplo, se você ouve música todos os dias no ônibus, pode ser que um trecho de uma canção apareça na sua cabeça em uma manhã — mesmo com a playlist desligada.
E há uma razão mais profunda para isso. Os ouvintes são mais propensos a começar seus movimentos musicais quando um conjunto específico de regiões cerebrais é ativado, chamado de rede de modo padrão. Essa rede está associada a devaneios e divagações, permitindo que pensamentos intrusivos e repetitivos venham à tona com mais facilidade, diz Schubert.
Quando se trata de lembrar uma música, essa rede é como um irmão travesso que pega seu trecho favorito da canção, se tranca no quarto e o ouve a noite inteira, sem parar.
As partes do cérebro envolvidas na atenção focada, que sabem quantas vezes o fragmento da música deve ser tocado — e o que deve vir em seguida —, ficam bloqueadas fora da sala da rede do modo padrão.
Quando a música tem repetição forte, esse trecho se torna o foco. As instruções mentais passam a ser algo como “quando chegar ao fim, volte e toque de novo”, ignorando completamente o resto da música.
A mente está girando livremente, circulando em torno do fragmento repetido, sem motivo para parar.
Para “despejar” um earworm indesejado, é preciso desativar a rede em modo padrão. Uma maneira, segundo o especialista, é cantar a música em voz alta para outras pessoas, mas, vamos ser francos, isso não é sempre a opção ideal.
Ele cita, então, outra estratégia, que é substituir a música por outra menos repetitiva, para manter os impulsos de looping da rede cerebral sob controle.
A empresa de software Atlassian chegou a lançar, inclusive, um trecho de áudio de 40 segundos, que supostamente serve para acabar com o earworm, com uma melodia que não contém repetições contíguas e, portanto, não vira “chiclete”.