A inclinação pelo fumo da maconha está associado a genes ligados ao comportamento impulsivo. Também pode estar relacionado a condições como obesidade, esquizofrenia e transtorno bipolar, entre outras características. A conclusão é de um estudo divulgado na segunda-feira por pesquisadores da Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD). A pesquisa, publicada na revista Molecular Psychiatry, analisou as características genéticas de usuários ocasionais e frequentes de cannabis, com o objetivo de, no futuro, identificar medicamentos e outras terapias para tratar ou prevenir o uso problemático da substância.
Segundo o The Washington Post, o estudo se soma a um número crescente de pesquisas genéticas sobre o consumo de maconha, em um momento em que formuladores de políticas públicas e cientistas tentam equilibrar os benefícios e os riscos associados à crescente popularidade da droga.
Uma das autoras principais, Sandra Sanchez-Roige, destaca que apenas uma pequena parcela das pessoas que experimentam maconha desenvolve um transtorno por uso da substância, mas afirmou que os fatores de risco ainda são pouco compreendidos. O estudo é um dos poucos que investigam as características genéticas daqueles que se tornam dependentes. A equipe contou com pesquisadores da empresa de testes genéticos 23andMe e de outras três universidades.
“Estudar as bases biológicas que levam alguém a usar cannabis e, em seguida, desenvolver um transtorno, pode revelar algo fundamental e abrir caminho para novas terapias”, afirmou Sanchez-Roige, pesquisadora do Instituto de Medicina Genômica da UCSD, em entrevista.
Os pesquisadores explicam que os dados genômicos podem ajudar a identificar medicamentos já existentes que sejam eficazes no tratamento do transtorno por uso de cannabis.
Embora não seja fatal como o vício em opioides ou álcool, o transtorno pode interferir significativamente na vida cotidiana, afetando o desempenho no trabalho, nos estudos e nos relacionamentos. Muitas pessoas têm dificuldade para parar de usar devido a sintomas como náuseas e alterações de humor. Atualmente, não há medicamentos aprovados pela Food and Drug Administration (FDA) para tratar especificamente esse transtorno.
Cientistas já sabem há décadas que a genética, combinada a fatores ambientais, desempenha um papel importante no desenvolvimento de dependências. No entanto, alertam que mais pesquisas são necessárias. Milhares de variações genéticas podem influenciar a vulnerabilidade de uma pessoa ao vício — e, mesmo assim, o risco adicional tende a ser pequeno, explicou Wayne Kepner, pesquisador de vícios da Universidade Stanford, que não participou do estudo da UCSD.
Ele ressalta que é improvável que exista um único gene — ou mesmo um conjunto de genes — responsável pela dependência. “O cérebro é extremamente complexo, e a dependência não é apenas biológica ou neuroquímica”, disse. “Ela é profundamente influenciada pelo contexto, pelo estresse e pelo ambiente social.”
Os pesquisadores dizem que os resultados práticos dos estudos genômicos sobre vício ainda estão distantes. Criar testes para identificar pessoas predispostas à dependência é uma tarefa delicada. Especialistas criticaram, por exemplo, a decisão da FDA, em 2023, de aprovar um teste genético para avaliar o risco de dependência de opioides, afirmando que a base científica da ferramenta era inconsistente.
Atualmente, 24 estados norte-americanos autorizam o uso recreativo da maconha. O consumo da droga — especialmente em formas altamente potentes e de fácil acesso — tem se expandido entre diferentes faixas etárias, gerando preocupação entre especialistas em saúde pública, pesquisadores em dependência química e legisladores. Eles alertam para os riscos de produtos de cannabis cada vez mais fortes, mal regulamentados e com possíveis efeitos nocivos.
De acordo com uma pesquisa federal anual, cerca de 64,2 milhões de pessoas usaram cannabis em 2024, número superior aos 53,2 milhões registrados três anos antes.
O mesmo levantamento indicou que 20,6 milhões de pessoas sofriam de transtorno por uso de cannabis em 2024, condição caracterizada por um padrão de consumo problemático, capaz de causar sofrimento ou interferir na vida diária — um aumento em relação aos anos anteriores.
Estudos recentes do genoma humano têm revelado padrões genéticos interessantes entre pessoas que usam — e às vezes abusam — da maconha. No novo trabalho, os pesquisadores da UCSD analisaram os dados genéticos de quase 132 mil clientes da 23andMe que responderam a questionários sobre o uso da substância.
Um dos genes associados ao uso de cannabis identificados pela equipe está envolvido no desenvolvimento cerebral e na comunicação entre neurônios, e já foi relacionado a transtornos psiquiátricos como a esquizofrenia.
O coautor Abraham A. Palmer ressaltou que isso não significa que a cannabis cause esquizofrenia. “O que ocorre é que existem algumas vias biológicas que podem ser comuns entre a cannabis e a esquizofrenia”, explicou o pesquisador da UCSD.
Outro gene identificado está ligado à sinalização entre células nervosas, especialmente no cérebro, e já foi relacionado em estudos anteriores à personalidade impulsiva, à obesidade e à metástase de câncer. Esse gene também foi associado à frequência do uso de cannabis, segundo os autores.
Uma análise secundária revelou mais 40 genes relacionados ao uso de cannabis ao longo da vida e quatro ligados à frequência de consumo. O artigo destaca que 29 desses genes nunca haviam sido anteriormente associados a características relacionadas à cannabis.
Os pesquisadores reforçam que uma associação genética não significa que um gene cause uma condição.
Um estudo recente de Yale, publicado neste mês, encontrou correlação entre o uso de cannabis ao longo da vida e características genéticas “associadas à abertura à experiência e à propensão a correr riscos, incluindo o uso de substâncias e comportamentos sexuais”.
Uma análise anterior, também liderada por Yale, avaliou os genomas de mais de 1 milhão de pessoas, muitas delas veteranas militares, e descobriu que certas variantes genéticas estavam associadas a um risco elevado de desenvolver transtorno por uso de cannabis. Essas mesmas variantes também se mostraram relacionadas a um maior risco de câncer de pulmão, embora os pesquisadores Daniel F. Levey e Joel Gelernter, de Yale, tenham afirmado que são necessários mais estudos para avaliar o impacto do tabagismo e de outros fatores.
Gelernter observou que as diferenças genéticas entre usuários ocasionais e pessoas com transtorno representam um risco estatisticamente relevante, mas ainda muito pequeno para aplicação prática.
“Não é algo que esteja sequer próximo de ter utilidade clínica”, afirmou. “Embora, um dia, possa vir a ter.”
Com supervisão de Marisa Adán Gil