Executivos cobram escala e retorno de curto prazo, mas a próxima curva de crescimento virá de tecnologias que exigem fôlego longo, governança madura e cooperação entre ciência e indústria. Falo das Deep Techs: soluções de base científica capazes de redefinir cadeias inteiras da bioeconomia à saúde personalizada, da energia limpa a novos materiais.
Nos últimos anos, mesmo com o ciclo de investimento de risco em retração, as Deep Techs seguiram respondendo por cerca de 20% do investimento global em 2023 (US$ 79 bilhões), sinal de resiliência e prioridade estratégica no mundo (BCG).
Por que é crítico agora
O Brasil já tem massa crítica para jogar esse jogo. Mapeamentos recentes indicam mais de 950 startups Deep Tech no país (Consultoria Emerge), com forte presença em biotecnologia aplicada ao agronegócio e à saúde e uma maioria ainda em fase de desenvolvimento tecnológico, isto é, antes da tração comercial plena.
A mensagem para quem lidera inovação corporativa é direta: há oferta de ciência e tecnologia emergindo dos nossos laboratórios, mas falta aproximação sistemática entre cientistas e empreendedores, desenho de modelos de negócio e capital paciente para atravessar o chamado “vale da morte”.
Esse quem sabe seja um dos nossos principais desafios enquanto país, uma vez que o distanciamento é também parte de questões culturais presentes na academia que trazem “vieses” sobre nossos cientistas serem também empreendedores.
Além disso, Deep Tech não funciona no relógio do trimestre executivo dos corredores corporativos. Ciclos de pesquisa e desenvolvimento, regulação e industrialização podem levar 5 a 10 anos até alcançar o ajuste entre produto e mercado e a escala, horizonte muitas vezes incompatível com os planos de trabalho trimestrais, os planejamentos estratégicos trianuais ou com a permanência média de executivos em seus cargos. Atuar a favor da inovação de longo prazo, exige repensar métricas e mecanismos de governança das grandes empresas.
Oportunidade brasileira: ciência, indústria e biodiversidade
Se há um lugar onde Deep Tech pode se tornar vantagem comparativa, é aqui. A bioeconomia baseada na nossa biodiversidade abre trilhas para fármacos, biomateriais, alimentos de nova geração e créditos de carbono. Sabemos da necessidade de infraestrutura científico-tecnológica dedicada para capturar esse valor; é uma avenida para o protagonismo brasileiro se houver coordenação e investimento.
Essa agenda pede parcerias público-privadas que conectem universidades, institutos (como a Embrapii e outros ICTs), construtoras de empreendimentos científicos (venture builders), fundos corporativos de investimento em inovação (Corporate Venture Capital) e instrumentos de fomento (como a Finep e as fundações estaduais de amparo à pesquisa).
A própria Finep vem articulando uma política pública nacional para Deep Techs e promovendo seminários e encontros técnicos com o setor produtivo, um sinal forte de priorização.
O que isso significa para as áreas de inovação das grandes empresas e como aplicar
1) Evolua o modelo operacional de inovação para a fronteira científica.
Vá além de laboratórios e provas de conceito. Estruture um portfólio em “duas velocidades”: eficiência (12 a 24 meses) e transformação (5 a 10 anos). Para a camada Deep Tech, adote etapas de validação com métricas de maturidade tecnológica, prontidão regulatória e marcos de aprendizado (patentes, conhecimento técnico, propriedade intelectual compartilhada), e não apenas retorno financeiro imediato. Vincule as teses de inovação de médio prazo ao plano estratégico de negócios.
2) Crie uma “ponte viva” entre cientistas e (intra) empreendedores.
Monte times híbridos (líder técnico-científico, arquiteto de negócios e especialista regulatório) capazes de traduzir pesquisa em tese de produto e estratégia de entrada no mercado. Provoque universidades e institutos de ciência e tecnologia a co-desenvolver pilotos com modelos de propriedade intelectual compartilhada. No Brasil, a maior parte das Deep Techs é jovem, 62% fundadas nos últimos cinco anos (Fapesp), e precisa exatamente desse parceiro corporativo para acelerar a descoberta de mercado.
3) Recalibre governança, capital e incentivos para horizontes de 10 anos.
Crie mecanismos de governança de longo prazo que resistam às mudanças de gestão que acontecerão durante esse período. Um Comitê Técnico-Científico vinculado ao Conselho de Administração, e não ao executivo, para patrocinar as teses de longo prazo e reduzir a assimetria de informação entre P&D e negócios pode ser uma alternativa.
Estruture veículos de investimento corporativo com cláusulas de acompanhamento e financiamentos em ondas (fomento público → participação convertível → financiamento de projeto). O objetivo é sincronizar o relógio da corporação com o relógio da inovação, blindando projetos das mudanças executivas no curto prazo.
4) Meça resultado de forma diferente.
No curto prazo: oportunidades qualificadas, ativos intangíveis (patentes, dados), tempo até o primeiro piloto e prontidão regulatória. No médio e longo prazo: novos negócios habilitados, aumento de rentabilidade por substituição tecnológica, redução de emissões e criação de cadeias locais de alto valor. Benchmarks internacionais mostram que quem domina a transição da pesquisa ao produto captura prêmios de crescimento mesmo em ciclos adversos.
Coragem para jogar o jogo longo
Deep Tech é estratégia, não projeto. Requer modelo operacional robusto, governança de longo prazo e aliança público-privada para impulsionar a travessia entre a tese e a fábrica. O Brasil tem ciência, biodiversidade e mercado interno; falta aproximação entre cientistas e empreendedores e capital paciente para transformar essa potência em liderança global.
Quem, nas grandes empresas, decidir mergulhar agora vai capturar os ganhos de produtividade, novos mercados e reputação que definirão as próximas décadas. O relógio já está correndo, e não é o do trimestre.





