Cerca de 4.500 metros acima do nível do mar, a remota Hanle, em Ladakh, abriga um dos céus noturnos mais límpidos da Terra. Em 2022, o local passou a abrigar a reserva Hanle Dark Sky.
Segundo o The Guardian, moradores da região atuam como embaixadores da astronomia para impulsionar o turismo em Hanle, uma atividade que também garante o sustento das famílias locais. O programa busca, ainda, preservar as condições essenciais para o funcionamento do Observatório Astronômico Indiano, localizado nas proximidades, promovendo a conscientização sobre os impactos da poluição luminosa.
Os turistas pagam cerca de £ 1,70 (aproximadamente R$ 13,00) por pessoa para observar as estrelas, guiados pelos embaixadores — muitos dos quais também hospedam visitantes em suas próprias casas. “Eles são os interlocutores entre o céu e os turistas”, afirmou Niruj Mohan Ramanujam, chefe de extensão do Instituto Indiano de Astrofísica, em Bengaluru, principal parceiro de pesquisa do observatório.
Desde a instalação do telescópio Himalayan Chandra, de 2 metros, em 2000, outros três telescópios foram adicionados no pico da montanha Digpa-ratsa Ri, transformando Hanle em um centro astronômico de referência mundial. O projeto também incentivou comunidades antes nômades a se estabelecerem de forma permanente.
Após o governo designar a área ao redor dos seis vilarejos de Hanle como “reserva de céu escuro”, autoridades iniciaram um projeto para envolver a comunidade local na gestão da reserva, permitindo que os próprios moradores compartilhassem seus benefícios. A iniciativa de astroturismo já atrai milhares de visitantes: o número de hospedagens familiares cresceu de poucas para cerca de 70, revitalizando a economia e trazendo de volta pessoas que haviam deixado a região em busca de empregos urbanos.
Em 2023, Dolkar, um dos embaixadores da região, transformou sua casa térrea de cinco quartos em hospedagem familiar, cobrando cerca de £ 17 por noite por pessoa, com refeições caseiras à base de lentilhas, legumes e arroz. “Durante o dia, preparo as refeições e cuido da casa. À noite, até a meia-noite, ajudo os turistas na observação das estrelas e na exploração do céu profundo com meu telescópio”, contou. Em dias comuns, ela recebe cerca de 20 visitantes; nos mais movimentados, já chegou a atender mais de 50.
Padma Chamchot afirma que seu papel como astroembaixadora abriu novas oportunidades para as mulheres da região. “Sou formada e minhas únicas opções eram esperar um emprego público — o que é difícil de conseguir — ou me mudar para uma cidade”, explicou. Hoje, Chamchot ganha em uma semana o equivalente ao que receberia em um mês trabalhando em uma agência de viagens, mesmo com uma pausa de cinco meses no turismo, quando a neve bloqueia o acesso à região. “Este é um emprego dos sonhos: aprendo sobre as estrelas todos os dias, sustento a mim e meus pais, e conheço turistas do mundo todo — tudo isso enquanto me mantenho ligada às minhas raízes e promovo minha cultura”, disse. “Ao nos tornarmos astroembaixadores, o universo realmente se abriu para nós.”
A iniciativa também contribui para preservar a cultura Ladakhi.
“Nossos antepassados usavam as estrelas para medir o tempo e se orientar durante as travessias com seus rebanhos, mas, com o tempo, perdemos completamente essa conexão com o céu”, contou Kesang Dorjey, ex-funcionário do observatório e hoje um dos principais embaixadores da astronomia em Hanle. “Este programa transformou nossas vidas. Ele nos oferece uma renda digna e, ao mesmo tempo, nos reconecta à ciência e à nossa herança.”
Os astroembaixadores também têm recorrido aos anciãos para registrar histórias antigas.
“Estamos encontrando paralelos impressionantes entre as descobertas científicas e o conhecimento tradicional sobre as constelações”, disse Dolkar. “Um dos mais velhos me ensinou a observar certas estrelas como sinal do início do plantio de verão. Depois descobri que esse padrão é chamado de ‘triângulo de verão’.”
Até mesmo o monge-chefe interino do mosteiro budista de Hanle, construído no século XVII, tornou-se embaixador. “A astronomia sempre foi parte da prática budista — os monges usavam as estrelas para marcar festivais e datas sagradas, mas essa tradição se perdeu com o tempo. Fiquei curioso em revivê-la”, afirmou Nawang Tsoundu, de 30 anos. “Durante o dia, medito e ensino no mosteiro; à noite, guio visitantes pelo meu telescópio.”
Nos últimos três anos, o observatório, em parceria com a Hanle Dark Sky e as autoridades locais, têm organizado uma festa anual das estrelas. O evento reúne entusiastas da astronomia de toda a Índia, que visitam as instalações e participam de aulas sobre céus escuros e astrofotografia. Para Hashika Raj, engenheira de sistemas de energia de Chennai, a festa deste ano foi uma “oportunidade única na vida”. “Nunca vi um céu tão claro quanto este”, disse ela.
*Com supervisão de Marisa Adán Gil