PEDRO S. TEIXEIRA
SÃO PAULO, SP (CBS NEWS) – Assim como as plataformas que lucram com o trabalho infantil na internet, os pais da criança podem ser responsabilizados pela violação dos direitos dos filhos, diz a procuradora Ana Luísa Carvalho Rodrigues, que lidera a Coordinfância (Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente) do Ministério Público do Trabalho (MPT).
“Quando há uma situação de trabalho mais evidente, é muito difícil que os pais não saibam. Muitas vezes, eles são os beneficiários desse trabalho”, diz Rodrigues.
O MPT tem investigações abertas sobre influenciadores mirins, que mantêm canais monetizados em YouTube, TikTok, Kwai e Instagram, atletas profissionais de jogos online que mantêm rotinas de treino que podem alcançar as 12 horas diárias e sobre a venda de itens e serviços dentro de jogos.
Uma situação típica nas apurações do MPT é o “sharenting”, em que os próprios pais expõem a rotina dos filhos a fim de obter ganhos.
De acordo com Rodrigues, ainda há casos em que os pais mobilizam os filhos para contribuir em plataformas de bicos online, nas quais fazem tarefas repetitivas para ajudar no desenvolvimento de modelos de inteligência artificial.
A procuradora também relata que há dificuldades para rastrear casos de exploração de trabalho infantil ocorrendo em plataformas de trocas de mensagens criptografadas, como WhatsApp e Telegram.
Segundo Rodrigues, a exposição de uma criança a situações próprias da rotina de um adulto significa uma imposição de uma nova fase da vida. “Você está cortando ali pela metade o momento da infância, o momento da adolescência, e exigindo uma forma de adultização.”
As autoridades não precisam provar que existe um vínculo empregatício para caracterizar a exploração de trabalho infantil. “Não é preciso ter um vínculo, ser explorado nesse sentido de ter uma subordinação. Uma relação de trabalho pode ser uma relação de trabalho autônoma, pode ser uma relação de trabalho em que você só recebe patrocínio, pode ser uma relação de trabalho para próprio consumo, as formas desse trabalho são variáveis”, explica Rodrigues.
Para verificar se há uma situação de exploração da criança, o MPT observa se há interesse econômico, mesmo que não seja da própria criança ou do adolescente, a frequência da atividade e se existem parâmetros de profissionalização, como roteirização dos vídeos ou obrigatoriedade de produzi-los.
“Uma criança um dia está brincando e decide transmitir o jogo, pode ser que isso não venha a ser uma situação de trabalho”, exemplifica a procuradora.
“Aquele canal é monetizado? O menino faz aquilo todo dia? Aquilo está prejudicando, de alguma forma, o rendimento escolar? Ele começou a ganhar patrocínio? Ele está fazendo unboxing de produto? Aquilo passa a ter um interesse comercial? Pode ser uma situação de trabalho.”
Rodrigues cita que o ambiente virtual apresenta riscos como aliciamentos para fins de tráfico de pessoa, cyberbullying, além de comentários que sexualizam, que discriminam ou que proferem discursos de ódio. “É uma criança ou adolescente exposta ainda antes de ter condições de lidar com isso.”
Ainda de acordo com a procuradora, as mensagens nocivas podem chegar em ambientes de difícil supervisão dos pais, como bate-papos em tempo real ou reações a publicações temporárias. “Incentivos à automutilação, a suicídio, são riscos muito potencializados nesse ambiente virtual”, acrescenta.
Em ação contra o TikTok, o MPT pede que a plataforma verifique se crianças e adolescentes que produzem conteúdo possuem alvará judicial, como exige a convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil para estabelecer exceção para o trabalho artístico desde que autorizado judicialmente.
“Se você vai desempenhar um trabalho artístico no mundo, no palco físico, você tem que ter uma autorização. Se você vai desempenhar um trabalho de natureza artística no palco virtual, você também tem que ter uma autorização”, explica a procuradora.
A apresentadora Maísa, por exemplo, precisava de alvará para trabalhar no SBT quando era criança.
No país, essa autorização está prevista no artigo 149, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
De acordo com a procuradora, o ECA já resguardava as crianças contra a exploração do trabalho infantil ainda antes da sanção do projeto de lei contra “adultização”, como ficou conhecido o ECA digital. “A nova lei traz mais respaldo legal e mais clareza sobre que medidas também podem ser exigidas.”
O QUE OS PAIS PODEM FAZER
– Educação:
Conheça as plataformas que seus filhos utilizam
Mantenha diálogo aberto sobre riscos online
Não romantize ou glamourize o trabalho infantil
– Supervisão:
Use ferramentas de controle parental
Saiba o que seus filhos fazem online
Verifique se há monetização em contas ou canais
– Atenção aos próprios comportamentos:
Não explore a imagem dos filhos para ganho próprio
Evite superexposição da rotina familiar
Não pressione crianças a produzirem conteúdo
– O que diz a lei
A idade mínima para trabalho no Brasil é 16 anos (14 como aprendiz)
Trabalho artístico exige alvará judicial específico
O ECA Digital reforça proteções no ambiente virtual
Plataformas têm responsabilidade de impedir trabalho infantil
– Se identificar situação de trabalho infantil, denuncie para:
Ministério Público do Trabalho (MPT)
Conselho Tutelar
Disque 100 (Direitos Humanos)