Nos últimos meses, tive a oportunidade de contratar três executivos altamente qualificados que aceitaram pacotes de remuneração inferiores aos que tinham anteriormente. Para que fique claro: não se trata de profissionais em início de carreira, onde esse tipo de ajuste é mais comum, mas de líderes com mais de uma década de experiência em grandes empresas.
Em um mercado onde o salário é frequentemente visto como principal indicador de sucesso, essa escolha pode parecer contraintuitiva. No entanto, ela revela uma mudança profunda na forma como executivos enxergam suas carreiras e prioridades.
Mais de dez anos atrás, ao escrever minha tese de mestrado sobre por que altos executivos fazem mudanças de carreira, identifiquei dez fatores-chave: promoção, mudança de indústria, função, empresa, remuneração, benefícios, localização, cultura, liderança e força maior (como falência ou eliminação da função). A remuneração, à época, era sempre para cima.
Hoje, esse paradigma começa a se transformar. Executivos estão cada vez mais dispostos a abrir mão de parte do salário em busca de algo maior: propósito, equilíbrio, aprendizado e impacto.
Valores que Valem Mais
O alinhamento com os valores da organização — seja voltado ao desenvolvimento pessoal, à inovação ou ao impacto social — tornou-se um dos principais motivadores de mudança. Trabalhar em uma empresa que compartilha crenças e objetivos pode ser mais valioso do que qualquer bônus.
Qualidade de Vida e Flexibilidade
A pandemia redefiniu o que significa sucesso profissional. Muitos líderes passaram a priorizar tempo com a família, saúde mental e ambientes de trabalho mais saudáveis. A flexibilização geográfica também ganhou força.
Um dos executivos que contratei optou por retornar às suas origens, buscando proximidade com pais e sogros idosos, e oferecendo aos filhos pequenos uma convivência mais rica com a família. A mudança de país — ou continente — implica ajustes salariais, muitas vezes abaixo do padrão anterior, mas compensados por qualidade de vida e poder de compra local.
Reposicionamento Estratégico
Aceitar ganhar menos pode ser uma jogada inteligente. Ao assumir um novo desafio em um setor com maior potencial de crescimento, o executivo investe em uma trajetória de longo prazo. Um dos casos que vivenciei envolveu a transição de um setor em crise — marcado por regulação intensa e mudanças de hábito do consumidor — para outro mais dinâmico e inovador. O outro caso foi ainda mais radical: mudança de setor e de função, com transferência de habilidades para um novo contexto.
Aprendizado e Expansão
Em transições de carreira, é comum aceitar salários menores para adquirir novas competências ou liderar projetos desafiadores. O ganho está no conhecimento acumulado e na aposta de que, no futuro, o equilíbrio — ou até a superação — virá.
Cultura Organizacional
Ambientes tóxicos ou excessivamente hierárquicos têm levado muitos líderes a buscar empresas com culturas mais humanas e colaborativas. A remuneração, nesse contexto, torna-se secundária. Mais do que um chefe difícil, trata-se de não se enxergar pertencente àquele grupo de liderança, por não compartilhar os mesmos valores e propósito.
O Valor Total do Pacote
Salário é apenas uma parte da equação. Flexibilidade, participação societária, benefícios e autonomia são fatores que, somados, podem superar o valor financeiro mensal.
Manter-se Ativo e Relevante
Em momentos de transição ou reentrada no mercado, aceitar ganhar menos pode ser uma estratégia para manter-se ativo, relevante e conectado às oportunidades certas.
Aceitar ganhar menos não é sinal de fraqueza — mas sim de maturidade, visão e coragem. Os executivos que tomam essa decisão estão, muitas vezes, investindo em algo maior. Se você é líder, recrutador ou profissional em transição, vale a pena refletir: o que realmente importa na sua próxima escolha?






