A megaoperação policial sangrenta nos Complexos do Alemão e da Penha, que chocou o país e o mundo — mais uma entre tantas outras desastrosas em favelas brasileiras — escancara um reflexo trágico de que a lógica de combate à violência com mais violência é um ciclo vicioso e autodestrutivo.
Neste cenário de guerra e dor, não podemos nos dividir entre opiniões extremas. É imperativo que nos mobilizemos. Tenho convicção de que a iniciativa privada tem um papel crucial e inadiável na construção de um futuro mais seguro e justo para esses territórios. Não podemos delegar essa responsabilidade apenas à segurança pública ou nos limitar a criticar a desarticulação governamental.
Precisamos revisitar o que deu certo no passado. Nos anos 1990 e 2000, Bogotá e Medellín eram sinônimos de violência. O Estado colombiano reagiu com uma combinação de policiamento territorial, urbanismo social e estímulo econômico. Reocupou territórios e devolveu dignidade. O setor privado foi parte essencial nesse processo, com empresas locais e multinacionais financiando a infraestrutura, a formação técnica e o empreendedorismo. Essa aliança entre governo e iniciativa privada fez os índices de homicídio despencarem e transformou Medellín em símbolo global de reconstrução.
Quando o Brasil tentou adaptar o modelo com as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) criadas por José Mariano Beltrame em 2008, o primeiro passo foi dado ao retomar o território. Mas o segundo, e mais importante, que era ocupar com desenvolvimento, ficou pelo caminho. Sem um plano consistente de geração de renda, formalização e investimento privado, as UPPs perderam força. Resultado: um vácuo, com a ausência de Estado e de mercado preenchida por milícias, tráfico e desconfiança.
Esses exemplos reafirmam uma direção: a chave está em fortalecer a economia local.
Favela é oportunidade
Para combater o crime organizado, que se expande e usa a força para impor suas regras – como o Comando Vermelho, alvo da recente operação, que define torturas e escalas de segurança por grupos em aplicativos de mensagem -, a sociedade precisa apresentar uma alternativa econômica e social real.
Investir em favelas não é caridade. É estratégia econômica e de segurança nacional. Hoje, os territórios populares movimentam R$ 167 bilhões por ano em consumo e reúnem mais de 18 milhões de brasileiros. Neles, há 260 mil negócios locais, redes de micro distribuição e milhões de trabalhadores informais prontos para se integrar à economia formal. Logo, a iniciativa privada deve enxergar esses territórios, repletos de talento e potencial, como verdadeiras oportunidades.
O empresariado precisa estar mais presente, comprando, contratando, capacitando e comunicando na favela; afinal, com a economia em alta, a violência recua.
O dinheiro que circula nas comunidades precisa ser multiplicado ali. Empresas podem criar programas de aceleração, microcrédito e mentoria para empreendedores locais, transformando pequenos negócios em geradores de renda e empregos estáveis.
A ação da sociedade civil não substitui o Estado, mas pode e deve sustentá-lo. Isso significa atuar em áreas sensíveis, como educação e cultura, que ficam paralisadas em dias de confronto, como no caso da megaoperação, em que 43 escolas e 5 clínicas suspenderam atividades. Projetos sociais, como o Arte Transformadora na Penha, que teve sua sede danificada pelos tiroteios, são vitais e merecem apoio robusto do setor privado.
A violência que assistimos ontem, com 64 mortos no balanço oficial (logo soterrado pela descoberta de dezenas e dezenas de corpos, trazidos à Praça São Lucas por moradores – a contagem está em 135 mortos enquanto escrevo essas linhas), não é uma cicatriz, é uma infecção profunda, um sinal de que as táticas atuais não estão funcionando e a desarticulação social é um campo fértil para o caos.
É hora de a iniciativa privada assumir seu papel de agente transformador. Se queremos paz, precisamos gerar prosperidade e esperança. A segurança pública cuida do policiamento e repressão, sempre que necessária; a sociedade civil, através da economia e do impacto social, deve zelar pelo desenvolvimento que gera oportunidades, a melhor das prevenções.
A Colômbia provou que isso é possível. O Rio começou, mas parou no meio. Está na hora de retomarmos aquele plano, não com fuzis, mas com planos de investimento, dados, governança e coragem empresarial.
A paz não se decreta, se constrói. E investimento é o seu alicerce.
*Emilia Rabello é fundadora e CEO da NÓS – Inteligência e Inovação Social






