A mineradora anglo-australiana BHP foi condenada pela Justiça inglesa e terá que pagar indenização a vítimas do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), que ocorreu em 2015. A BHP é, junto à brasileira Vale, dona da Samarco, que operava a barragem.
O anúncio foi feito pelo Tribunal Superior de Londres nesta sexta-feira (14/11), mas ainda não foi divulgado o valor a ser pago. Isso acontecerá numa nova etapa do julgamento, que irá determinar quais pessoas poderão ser indenizadas e os valores.
Cerca de 620 mil pessoas participam do processo contra a mineradora no Reino Unido, além de 2 mil empresas e 31 municípios – tornando essa a maior ação coletiva ambiental da história da Justiça inglesa.
O valor pedido de indenização já chegou a ser estimado em 36 bilhões de libras (R$ 250 bilhões) – o que seria o maior valor da história da Justiça na Inglaterra e uma das maiores do mundo.
Segundo o escritório Pogust Goodhead, que representa as vítimas, essa estimativa, porém, será recalculada com base no número de municípios que ainda participam da ação (15 desistiram de seguir no processo) e de decisões da juíza na ação.
Em julho de 2024, a Vale e a BHP anunciaram um acordo para dividir igualmente entre si os valores a serem pagos em indenização em processos movidos na Europa – além da Inglaterra, há um em andamento na Holanda contra a Vale e a subsidiária holandesa da Samarco.
As partes podem recorrer da decisão, segundo o Pogust Goodhead.
No Brasil, até hoje, ninguém foi condenado pela tragédia. A Justiça Federal chegou a absolver a Samarco, Vale, BHP e ex-funcionários, mas o Ministério Público Federal (MPF) recorreu da decisão. O processo está em andamento no Tribunal Regional Federal da 6ª Região, em Belo Horizonte.
Paralelo a isso, no fim de 2024, foi firmado um acordo de R$ 170 bilhões entre a Vale, BHP e Samarco com autoridades federais e estaduais de Minas Gerais e Espírito Santo para reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão.
O desastre de Mariana é considerado a pior tragédia ambiental do Brasil.
Além de destruir o distrito de Bento Rodrigues, a lama com rejeitos tóxicos de mineração que estava contida na barragem desceu o rio Doce até o litoral brasileiro, arrasando a fauna do rio e a fonte econômica de dezenas de comunidades.
O colapso da barragem provocou 19 mortes e despejou mais de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério no meio ambiente.
A BBC News Brasil procurou a BHP para comentar a decisão e aguarda um posicionamento.
Embates na Justiça
Os advogados das vítimas do desastre conseguiram abrir o processo no Reino Unido contra a BHP em Londres porque a mineradora mantinha uma sede no Reino Unido na época do rompimento da barragem. Além disso, a multinacional é listada na bolsa de Londres.
A BHP e a Vale argumentavam que a ação legal no Reino Unido era “desnecessária, pois duplica questões já cobertas pelo trabalho da então Fundação Renova (hoje extinta) e outros procedimentos legais no Brasil”.
A Fundação Renova foi criada pelas duas mineradoras para compensar as famílias afetadas pelo rompimento da barragem.
No fim de 2024, a Renova foi extinta após ser feito um acordo entre a Vale, BHP, Samarco e autoridades federais e estaduais para reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão.
O acordo de R$ 170 bilhões definiu a destinação de R$ 100 bilhões ao poder público, em ações em saúde, educação e saneamento, além de indenizações aos atingidos. Outra parte será executada pela própria Samarco nas áreas de indenizações, reassentamentos e recuperação ambiental.
Inicialmente, a Justiça inglesa havia decidido em favor da BHP para não dar seguimento ao processo. Mas, em julho de 2023, um tribunal de apelação reverteu a decisão e aceitou o processo contra a mineradora.
“Nossa conclusão é simplesmente que os recursos disponíveis no Brasil não são tão obviamente adequados que se possa dizer que é inútil prosseguir com os processos [na Inglaterra]”, disse a decisão unânime assinada pelos juízes na ocasião.
A decisão desencadeou uma briga jurídica entre as duas mineradoras: a BHP entrou na Justiça inglesa para incluir a Vale no processo por indenização. Já a mineradora brasileira argumentou que não deve ser incluída no processo, já que não estaria dentro da jurisdição britânica.
As empresas chegaram a um acordo posterior, em que concordam dividir os custos em caso de derrota.
A demora para o processo andar na Justiça britânica também fez com que o valor da indenização e o número de vítimas aumentassem ao longo dos anos.
Em 2020, o escritório de advocacia representava 200 mil vítimas. Hoje, são mais de 600 mil.
Justiça estrangeira em casos no Brasil
Em agosto de 2025, em meio à polêmica da aplicação da americana Lei Magnstisky no Brasil, o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), reiterou a proibição da aplicação no Brasil de sentenças judiciais e leis estrangeiras que não foram referendadas pela Justiça brasileira.
A explicação de Dino sobre essa regra ocorreu em uma ação em que o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) questionava no STF a constitucionalidade da participação de municípios brasileiros no processo contra a BHP no exterior.
Isso porque a Justiça inglesa havia determinado que o Ibram desistisse dessa ação no Brasil. Dino, portanto, reiterou que decisões da Justiça da Inglaterra não teriam validade aqui.
Mas o que Dino reiterou na época “não tem a ver com indenizações”, como o caso da BHP, explica a advogada Nadia de Araujo, professora de direito internacional privado na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
Se um juiz inglês pedir para a cobrança da indenização ser cumprida contra uma empresa na Inglaterra, não há nada que a Justiça brasileira precise referendar.
A BHP é uma multinacional com sede na Austrália, mas com presença também na Inglaterra.
A Justiça brasileira só precisaria atuar caso o judiciário inglês determinasse que a cobrança da multa tivesse que ser executada no Brasil.
Dessa forma, haveria um pedido de homologação, e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) verificaria se a decisão estrangeira cumpre requisitos formais e legais para ser reconhecida no país. Portanto, não haveria análise do mérito (o conteúdo da decisão).
Sobre a participação de municípios na ação, Dino explicou que, pela Constituição, quem representa o Brasil no exterior é a União Federal, não os municípios ou estados.
Então, em tese, municípios não teriam legitimidade para mover ações em outros países — a não ser que o governo federal autorize expressamente.
Além disso, 26 dos municípios afetados pelo rompimento da barragem aderiram ao acordo de reparação pelos danos no Brasil, homologado pelo STF.
Segundo o escritório Pogust Goodhead, 15 municípios que estavam na ação no início saíram, mas outros 31 permanecem.
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