(CBS NEWS) – Mais de duas décadas depois da morte de Cássia Eller, o jornalista e biógrafo Tom Cardoso voltou a mergulhar na vida de uma das figuras mais intensas da música brasileira e descobriu que ainda havia muito por contar.
Em “Eu Queria ser Cássia Eller” (Harper Collins), ele reconstrói a trajetória da cantora a partir de novos relatos e memórias de pessoas próximas, entrevistas da própria Cássia e bastidores ainda não revelados em outras versões da história.
O resultado é um retrato que vai além do mito do palco, revelando uma mulher ainda mais tímida, contraditória e de humor afiado, e suas nuances como companheira, amiga e mãe. “A Cássia era a antiestrela. Não fazia pose. Era diferente dos outros artistas por ser autêntica e genuína; não forçava a pose de ‘maldita’. Era do jeito que era, dentro e fora do palco”, diz Cardoso à reportagem.
O jornalista diz que foi um desafio de escrever sobre uma artista sem se deixar seduzir por ela ao longo da escrita. “Sempre é difícil não se apaixonar pelo personagem e criar um distanciamento para não parecer um livro glorificando o artista”, diz.
No livro, Cardoso relata um hábito de bastidor que resume a forma como Cássia se relacionava com a equipe: ela dividia o próprio camarim com os músicos e cedia o da banda a seguranças e faxineiros. Recusava privilégios e tratava todos como iguais. Para o autor, esse gesto ajuda a explicar o magnetismo dela -não o de uma estrela vaidosa, mas o de alguém que não queria representar nada além de a si.
Cardoso ouviu quem viveu a rotina de Cássia, além de se apropriar de entrevistas antigas e de material de arquivo, fazendo a própria cantora reaparecer no livro em citações pinçadas de reportagens. A irmã mais nova, Rubinha, topou várias rodadas de entrevistas e ajudou a costurar os anos menos documentados da infância de Cássia.
Embora não seja uma biografia autorizada, a família e os amigos se aproximaram do projeto e ajudaram a estruturar quem foi Cássia Eller. Entre os nomes que aparecem diversas vezes nas páginas estão Eugênia, companheira da cantora, que também assina o prefácio do livro, Chico Chico, filho de Cássia, e os diversos músicos e empresários com quem ela mantinha uma relação de amizade, algo considerado essencial para a cantora conseguir manter uma relação profissional.
A timidez, conhecida pelos fãs, dificultou o acesso a histórias miúdas. “O desafio era o personagem mais fechado”, diz Cardoso. Ele compara com biografados anteriores: Nara Leão, mesmo tímida, concedia entrevistas firmes; Caetano Veloso fala sem freio; Chico Buarque já deu muitas ao longo da carreira, inclusive para ele. Sem uma voz direta de Cássia e diante de entrevistas em que ela própria inventava histórias, as entrevistas permitiram contar muita coisa que ainda não se sabia.
“Ela era muito lacônica. Quase não falava. Ela tinha mania de mentir nas entrevistas e brincava muito como uma forma de quebrar a timidez”, apontou Cardoso. Entre as histórias que precisaram ser checadas estava a de que Cássia teria trabalhado como pedreira -uma invenção que se perpetuou. “As irmãs não se lembravam disso. Depois descobri que ela ajudava um tio pedreiro nas obras da família, mas nunca trabalhou na construção civil.”
Cássia, conhecida pelo comportamento explosivo no palco, se tornava quase muda diante de seus ídolos. Quando foi apresentada a Caetano, pouco depois do nascimento do filho, não conseguiu pronunciar uma palavra. O mesmo aconteceu com Rita Lee e Cazuza. “Ela tinha ataques de timidez diante das pessoas que admirava. Era o oposto do que se via no palco”, diz o autor.
O livro alterna essas passagens com episódios de humor e ousadia, como a noite em que, ao abrir o show dos Rolling Stones, teve a apresentação encurtada depois de cuspir água e atingir o ventilador de Mick Jagger. Na mesma ocasião, relutou em tirar foto com os ídolos; convencida, entrou no camarim e repetiu a brincadeira que fazia com amigos desde a infância: abraçou Keith Richards -seu preferido- por trás e apertou-lhe a genitália, arrancando risos e espanto.
O autor também precisou lidar com temas delicados, como as circunstâncias da morte da cantora, em 2001. Cardoso reexaminou reportagens, laudos e relatos de amigos para entender o que havia acontecido entre as versões de erro médico e overdose. Concluiu que a morte resultou de um conjunto de fatores, que incluía recaídas e um tratamento equivocado no hospital. “Era preciso cuidado para não cair na tentação de criar uma verdade única. O mais importante era respeitar a complexidade do caso.”
O livro “Eu Queria ser Cássia Eller” será lançado na terça-feira (11) às 19h em evento na Livraria Travessa do Shopping Leblon, no Rio de Janeiro.






