O sociólogo francês Michel Maffesoli, professor emérito da Sorbonne e autor do livro A Nostalgia do Sagrado (PUC-PR), propõe uma reflexão profunda sobre a busca incessante de uma geração por sentido e pertencimento, especialmente no contexto da pós-modernidade. Em seu trabalho, Maffesoli explora como as comunidades cibernéticas e a espiritualidade têm se entrelaçado, tornando-se onipresentes e mais fortes, especialmente entre os jovens. Segundo ele, esse fenômeno está diretamente ligado ao retorno das tradições e ao enfraquecimento do interesse das novas gerações pela política, com uma ênfase no sentimento de comunidade e na dependência mútua.
A Busca por Sentido e o Retorno ao Espiritualismo
Maffesoli argumenta que, ao longo do século XX, a sociedade passou por uma fase dominada pelo racionalismo, progressismo e individualismo. Com o fim da modernidade e a chegada da pós-modernidade, ele observa uma transição para uma era mais emocional, onde o espiritualismo começa a ser uma busca comum, especialmente entre os jovens. Esse retorno ao espiritualismo não é apenas um interesse individual, mas um fenômeno coletivo que influencia a forma como as pessoas se conectam e buscam um sentido de pertencimento.
No passado, a racionalidade e o individualismo marcaram a história da sociedade, como aponta Maffesoli. No entanto, ele acredita que estamos vivenciando uma transição para uma sociedade onde os afetos, as paixões e os sentimentos estão ganhando espaço novamente. Ao falar sobre a pós-modernidade, ele descreve uma sociedade mais sensível, onde a emoção e a espiritualidade se tornam elementos centrais da existência humana.
O Papel das Comunidades e a Transformação das Relações
Uma das grandes transformações que Maffesoli destaca é o papel das comunidades na atualidade. Ele observa que, ao contrário das gerações anteriores, a geração atual não busca mais um senso de identidade e pertencimento no individualismo. Ao contrário, a busca por uma vivência comunitária, por meio das redes sociais e outras plataformas digitais, é o que tem guiado muitos jovens. Esses grupos, que Maffesoli chama de “tribos urbanas”, têm se fortalecido, formando laços de dependência e solidariedade entre seus membros.
Nas palavras do sociólogo, a era das grandes ideologias políticas e dos grandes movimentos sociais ficou para trás. O que surge agora são pequenas comunidades, mais voltadas para o espiritualismo, onde as relações se tornam mais horizontais e baseadas na interdependência. Esse fenômeno, que Maffesoli chama de “retorno do sacral”, é visto como uma tentativa de resgatar os laços humanos mais profundos, algo que as novas gerações parecem desejar de forma intensa.
O Papel das Redes Sociais no Retorno à Espiritualidade
O retorno ao espiritualismo e ao sentimento de pertencimento também se reflete no uso das redes sociais. Maffesoli observa que as plataformas digitais oferecem um espaço onde o compartilhamento, a solidariedade e a generosidade são promovidos. Ao contrário das gerações anteriores, que se dedicaram ao avanço da tecnologia e ao individualismo, a geração atual parece cada vez mais disposta a investir em suas relações interpessoais, reforçando o sentimento de comunidade.
Essa transformação é visível em muitos aspectos da vida social, incluindo a arte, a música e o comportamento dos jovens. Maffesoli ressalta que, mais do que artistas oficiais, são os jovens nas redes sociais, blogs e fóruns de discussão que têm espalhado a cultura, criando uma verdadeira revolução no modo como a espiritualidade e o pertencimento são vividos. Ele propõe a ideia de que cada pessoa, ao fazer da sua vida uma obra de arte, está engajada em um processo de autoexpressão que transcende o racionalismo e mergulha na profundidade dos afetos e do espiritualismo.
O Retorno das Tradições e o Ideal de Comunidade no Brasil
Maffesoli também dedica uma parte significativa de sua análise às transformações que estão acontecendo no Brasil. Segundo ele, o país é um laboratório da pós-modernidade, um lugar onde o retorno às tradições, especialmente no que diz respeito ao sentido de comunidade e espiritualidade, está ocorrendo com mais força. Em suas viagens ao Brasil, Maffesoli observou como as novas gerações estão buscando o ideal de comunidade em encontros e eventos que envolvem uma profunda conexão com o espiritualismo.
O sociólogo destaca que, ao visitar cidades como Salvador, Recife, São Paulo e Porto Alegre, ele viu de perto a maneira como os brasileiros estão resgatando uma vivência coletiva, em que as relações interpessoais se tornam mais importantes que o individualismo. Ele descreve esses encontros como exemplos claros de “tribalismo urbano”, onde as pessoas se reúnem em grupos para compartilhar experiências espirituais e reforçar seus laços comunitários.
O Perigo de Misturar Espiritualidade e Política
Uma das questões levantadas por Maffesoli é o risco de a religiosidade se misturar com a política. Embora ele observe que os jovens estão cada vez mais afastados da política tradicional, ele alerta que esse afastamento pode estar ligado ao fortalecimento da espiritualidade como uma nova forma de engajamento coletivo. O sociólogo reconhece que há uma crescente decadência do engajamento político entre os jovens, mas ele sugere que essa tendência pode estar sendo substituída por um engajamento mais focado nas relações comunitárias e espirituais.
Maffesoli faz uma comparação com as ideias de Zygmunt Bauman sobre a sociedade líquida, observando que, apesar da fluidez das relações modernas, há um retorno a formas mais sólidas de vínculo, como as que se observam nas “tribos urbanas”. No entanto, ele também alerta para o risco de que a espiritualidade, quando misturada com a política, possa levar a um enfraquecimento das bases democráticas e sociais.
A Pós-Modernidade e a Busca por um Mundo Mais Espiritualizado
Para Maffesoli, o retorno ao espiritualismo e à busca por novas formas de vivência comunitária são fenômenos que marcam a pós-modernidade. Ele acredita que estamos vivendo uma era de transformação, em que o espiritualismo não é apenas uma busca individual, mas uma verdadeira revolução social que está acontecendo, especialmente entre as novas gerações. Esse fenômeno, que ele chama de “retorno do sacral”, é a resposta da sociedade à crise do racionalismo e ao desejo de encontrar um novo sentido de pertencimento.
A pós-modernidade, com seu foco nas emoções, na espiritualidade e na interdependência, está criando uma nova maneira de vivenciar o mundo. Para Maffesoli, essa transformação não é uma regressão ao passado, mas uma adaptação das tradições antigas às novas formas de comunicação e interação digital. O que estamos vendo é uma nova maneira de viver em comunidade, onde as relações espirituais, emocionais e sociais são mais valorizadas do que nunca.