SÃO PAULO, SP (CBS NEWS) – Não é de hoje que Paulo Miklos mantém o espírito aberto. Numa madrugada de 1982, ele conta, tomou um susto com uma arruaça embaixo da janela da sua casa. Entre gritaria e alguma música estavam ali os Titãs. “Eles chegaram cantando a plenos pulmões ‘bichos, saiam dos lixos!’, e eu abri a janela e falei ‘o que vocês estão fazendo?'”, ele lembra, entre risadas, o que foi a gênese de um dos maiores sucessos de sua carreira. “Às vezes acontece isso de você ser predestinado a ser intérprete de uma música.”
Quase 45 anos depois, ele recebeu outra visita pela janela -dessa vez, virtual. A cantora Papisa enviou a ele um convite numa mensagem do Instagram -fazer um show ao seu lado. “Marcamos de tomar um café, levei uma série de músicas inacabadas, áudios meus cantando algumas melodias e dei a ideia de compormos juntos -ela adorou, e surgiu essa parceria”, afirma ele.
Entre intérprete e compositor, câmeras e microfones, términos e recomeços, Paulo Miklos vive maquiando o novo. O próximo projeto a ganhar vida é justamente sua parceria com a jovem artista paulistana. Eles se apresentam de sexta a domingo como parte da quinta edição do “Circuito” -série de shows que roda o estado de São Paulo com nomes emergentes da música. “Temos duas músicas inéditas que entraram nesse show, mais um elemento especial desse encontro de gerações”, diz ele.
As faixas também têm versões de estúdio. “Maremoto” é um rock com cara de indie e fim de anos 1980 que cai como luva para a tessitura roqueira da voz de Miklos. Já “São Paisagens, Novas Descobertas” flerta com música eletrônica numa balada densa. “Ambas tratam de desencontros, mas têm uma luz, uma esperança de recomeço ou luta por um amor”, diz o artista. A letra desta última diz “agora eu vejo bem, todas as janelas continuam abertas”.
Tão logo encerra a pequena turnê, Miklos embarca na finalização de um disco com lançamento previsto para o ano que vem. O projeto é uma coletânea de canções que marcaram sua história, como “Coisas da Vida”, de Rita Lee, que dá título ao disco.
“Eu tenho essa paixão pela Rita, eu cresci ouvindo ela, e nessa faixa eu fiz minha própria segunda voz -algo que ela adorava fazer”, diz Miklos. “Uma vez ela disse que se pudesse faria backing vocal para os Titãs, e agora sou eu que estou fazendo isso.”
Foi também como intérprete à frente dos Titãs que Miklos marcou a história do rock brasileiro em canções como “Sonífera Ilha”, “Marvin” e “Domingo”. “Cantar sempre foi meu instrumento principal, e aos poucos eu fui assumindo essa coisa do crooner”, diz ele. “A gente tinha isso de escolher os intérpretes, e na banda eu tinha compositores fabulosos, talvez os maiores da minha geração.” A produção incessante rendeu 14 álbuns de estúdio mais o “Acústico MTV”, de 1997, que estabeleceu o grupo também entre millennials.
Em 2023, os Titãs reuniram toda a trupe para satisfazer fãs dos anos 1980, 1990 e 2000. “Estavam filhos e pais, gente que nunca tinha visto a banda reunida”, diz. “A gente estava numa felicidade de ver uns aos outros, de estar junto.” A festa foi tanta que a turnê se esticou informalmente até o ano passado, quando a banda se apresentou uma última vez com a formação completa no Lollapalooza.
Miklos segue também como ator. “No show eu lembro ao público, costumo brincar, digo que sou ator também e que fiz ‘Carrossel'”, afirma. O vilão na novela infantil é uma linha da obra que tem mais de 30 títulos em cerca de 25 anos de carreira, uma lista que o artista revisou há pouco com ajuda da inteligência artificial.
“Botei no ChatGPT e veio a minha filmografia inteira, desde ‘O Invasor'”, afirma Miklos. O filme de Beto Brant, de 2001, foi outro momento de encontro para o artista. O cantor se viu como ator e também como parceiro de cena de Sabotage –um dos maiores nomes do rock nacional e um dos grandes nomes do rap no país, então, estavam contracenando pela primeira vez.
“Era uma novidade para nós dois, aquilo de câmera, a equipe, os cabos, então a gente teve uma aproximação natural, deu uma liga imediata”, diz Miklos. “Ele tinha aquela coisa de poeta mesmo, um ouvido aberto para a rua.”
Morto em 2003, o rapper ficou na memória do amigo como forma de canção em “Sabotage Está Aqui”. A faixa foi lançada no último álbum solo de Miklos, “Do Amor Não Vai Sobrar Ninguém”, de 2022. O LP foi seguido por um ao vivo, lançado no ano passado.
Com os discos, a turnê dos Titãs, os filmes –Miklos acaba de lançar o longa “Assalto à Brasileira”, de José Eduardo Belmonte, no qual faz o papel de um policial–, o corpo passou a exigir cuidados. “Eu estava no programa Altas Horas e o Serginho Groisman perguntou ao Ney qual era o segredo, e ele disse que era comer pouco e se exercitar -agora eu estou no projeto Ney Matogrosso, sou criterioso com a comida e não atropelo meus horários de musculação.”
O estilo é algo diferente do jovem dos anos 1970, quando figura cativa do circuito paulistano de bandas e experimentações da vanguarda, ou do roqueiro que fez pulsar os anos 1980. “Foi bom que fiz o que fiz numa época em que conseguia sobreviver”, ele diz. “Hoje uma noite boa de sono faz diferença, e eu preciso de fôlego para me movimentar, atravessar o palco. Até porque a galera lá embaixo tem 20 anos, né?”
Miklos faz 67 anos em janeiro de 2026, seu primeiro aniversário após o término de um casamento de uma década . Nem tempo nem idade parecem frear suas empreitadas. Pelo contrário, mais o relógio avança, maior são as ganas de criar –maior a abertura de espírito. “Meter a cara no trabalho é bom para curar os males, principalmente se você tem o privilégio de trabalhar com o que ama”, ele diz. “Vou fazendo, compondo, cantando. A gente tem que ter esperança de conseguir ser feliz. Por isso as canções de amor são muitas.”
Paulo Miklos e Papisa
Quando Sex. (5), às 19h, no Tetriz Club – r. Oriente, 425, Campinas; sáb. (6), às 19h, no Moon Club – r. Carlos Gomes, 301, Americana; dom. (7), às 17h, no Cine Clube Cortina – r. Araújo, 62, São Paulo
Onde Campinas, Americana e São Paulo
Preço R$ 25, ingressos em sympla.com.br






