A popularização de companhias virtuais baseadas em inteligência artificial está gerando impactos concretos na vida de casais. Casos de separações provocadas por relações com chatbots estão em ascensão e começam a remodelar o campo do direito de família, especialmente nos Estados Unidos e no Reino Unido. A constatação é de uma reportagem publicada pela revista WIRED, que investiga os desdobramentos emocionais, legais e sociais dessas novas interações.
Aplicativos como Replika e Anima, projetados para criar companhias virtuais com elementos afetivos, estão sendo usados não somente por pessoas solteiras. Muitos usuários estão em relacionamentos e mantêm vínculos paralelos com esses sistemas, levantando questões delicadas. De acordo com pesquisas citadas pela reportagem, 60% dos solteiros já consideram que se envolver com IA é uma forma de traição.
Para a advogada americana Rebecca Palmer, especializada em divórcios, clientes têm procurado seus serviços após descobrirem que seus parceiros mantinham vínculos emocionais profundos com chatbots. Em alguns casos, os envolvidos chegam a compartilhar dados pessoais e realizar gastos significativos com esses aplicativos, comprometendo finanças familiares e até desempenho profissional.
O que a lei diz sobre “traição digital”?
Nos Estados Unidos, as regras variam de estado para estado. Em locais como Califórnia, onde prevalece o modelo de “culpa neutra”, a causa da separação é irrelevante judicialmente, basta que um dos cônjuges alegue “diferenças irreconciliáveis”. Já em estados como Michigan, Wisconsin e Oklahoma, a infidelidade, mesmo que virtual, pode configurar crime e levar a penalidades mais severas, como multas ou prisão.
Elizabeth Yang, advogada de direito de família na Califórnia, afirma à WIRED que ainda não atendeu casos relacionados a IA, mas espera um aumento nas separações com esse motivo nos próximos anos, à medida que mais pessoas buscam conforto emocional em bots. “Durante a pandemia, vimos os divórcios triplicarem. A IA pode provocar uma nova onda semelhante”, afirma.
Além do impacto emocional, o uso abusivo de recursos financeiros com companhias de IA pode ser interpretado como “dilapidação de bens”, especialmente em estados com regime de bens compartilhado, como Arizona e Texas. Se um dos parceiros comprovar que o outro gastou em segredo com assinaturas ou presentes virtuais, isso pode influenciar na divisão de bens.
A presença de filhos torna o cenário ainda mais delicado. Segundo Rebecca Palmer, em batalhas judiciais, o fato de um dos pais manter conversas íntimas com bots pode ser interpretado como um sinal de desequilíbrio ou má gestão do tempo com os filhos.
O futuro dos relacionamentos e da legislação
Apesar das controvérsias, especialistas ouvidos pela WIRED reconhecem que os laços com IAs podem oferecer conforto e até promover bem-estar emocional. “Algumas pessoas relatam um senso real de realização com essas conexões”, diz Palmer, embora alerte que é essencial compreender os limites dessas interações.
Na tentativa de regulamentar o setor, a Califórnia se tornou o primeiro estado americano a aprovar uma lei que regula os companheiros virtuais. A partir de janeiro de 2026, aplicativos deverão seguir exigências como verificação de idade, lembretes de pausas para menores e proibição de atuação como profissionais de saúde.
Enquanto isso, legisladores de estados mais conservadores, como Ohio, tentam frear qualquer avanço nesse campo. Um projeto de lei local busca proibir a concessão de qualquer reconhecimento legal a relacionamentos entre humanos e IAs, classificando os bots como “entidades não sencientes”.






