Durante décadas, a ideia de que perder peso dependia somente de força de vontade dominou o debate público. Comer menos e se exercitar mais sempre foram as recomendações padrão. No entanto, descobertas recentes em neurociência e metabolismo estão desconstruindo essa narrativa simplista.
Segundo artigo no The Conversation, o cérebro humano possui mecanismos profundamente enraizados para manter o corpo no peso mais elevado que ele já atingiu. Isso ocorre porque, evolutivamente, nossos antepassados associavam perda de peso à ameaça de morte por inanição. Em resposta, o organismo desenvolveu sistemas biológicos para preservar ao máximo suas reservas de energia.
Quando o emagrecimento vira ameaça
Valdemar Brimnes Ingemann Johansen, PhD Fellow na Faculdade de Ciências da Saúde e Médicas da Universidade de Copenhague, e Christoffer Clemmensen, professor associado e líder de grupo no Centro de Pesquisa Metabólica Básica da Fundação Novo Nordisk, também na Universidade de Copenhaguer, autores do texto, explicam que, ao tentar emagrecer, o corpo reage como se estivesse sob risco.
Os hormônios da fome aumentam, os desejos por alimentos se intensificam e o metabolismo desacelera. Trata-se de uma estratégia de sobrevivência: em um passado de escassez, essas respostas foram cruciais para a manutenção da vida.
O problema é que, no mundo atual, onde alimentos ultraprocessados são baratos e o estilo de vida é cada vez mais sedentário, esse “modo de proteção” se transforma em um obstáculo ao emagrecimento. A tendência do corpo é retornar ao peso anterior, como se ele fosse o novo “ponto de equilíbrio” a ser defendido a qualquer custo.
A memória do peso corporal
O cérebro humano guarda uma espécie de “memória metabólica” do peso mais alto já registrado. Essa programação biológica é uma das principais causas do conhecido efeito sanfona, quando o peso perdido retorna pouco tempo após o fim da dieta.
Não se trata de falta de disciplina. É a biologia cumprindo sua função evolutiva: proteger o corpo contra o emagrecimento, que ainda é interpretado como uma ameaça à sobrevivência, mesmo em contextos de abundância alimentar.
Diante desse cenário, medicamentos como Wegovy e Mounjaro surgem como alternativas. Eles atuam imitando hormônios intestinais que suprimem o apetite. Embora tragam resultados para alguns pacientes, não são soluções universais. Há casos de efeitos colaterais fortes, ausência de resposta e, principalmente, reganho de peso quando o tratamento é interrompido.
A boa notícia é que a ciência avança. Pesquisas em andamento indicam que pode ser possível, no futuro, atenuar os sinais biológicos que induzem o corpo a recuperar o peso perdido, mesmo após o fim do uso de medicamentos.
Saúde além da balança
Outro ponto importante destacado pelos autores é a dissociação entre saúde e peso corporal. Dormir bem, praticar atividades físicas regulares (mesmo que leves) e manter uma alimentação equilibrada são hábitos que melhoram a saúde cardiovascular e metabólica, mesmo quando o peso não muda significativamente.
Ou seja, bem-estar não depende exclusivamente do número na balança. É possível ser metabolicamente saudável mesmo sem alcançar o “peso ideal” imposto por padrões culturais.
A obesidade não é uma questão exclusivamente individual. É também um fenômeno social. Políticas públicas podem ajudar a reverter esse quadro. Exemplos incluem: refeições escolares mais saudáveis, redução da publicidade de junk food para crianças, ambientes urbanos mais amigáveis à locomoção ativa e padronização de porções em restaurantes.
Além disso, estudos apontam que a fase da primeira infância, da gestação até os sete anos de idade, é crucial para o desenvolvimento dos mecanismos cerebrais que regulam o apetite e o armazenamento de gordura.
A luta contra a obesidade é travada em múltiplas frentes. A genética e o cérebro são partes fundamentais desse quebra-cabeça, mas não os únicos. Mudanças no ambiente, no comportamento e na política pública também são essenciais.
A mensagem principal do artigo é clara: se você tem dificuldade para perder peso, a culpa não é sua. Seu corpo está, literalmente, programado para resistir a isso. A boa notícia é que a ciência está ajudando a reescrever essas regras.





