Uma tecnologia desenvolvida pela startup holandesa AquaWomb se propõe a redefinir os limites da medicina neonatal. Trata-se de um sistema experimental que simula um útero artificial, um “ambiente semelhante ao útero”, como preferem descrever os cientistas, capaz de manter bebês vivos fora do corpo da mãe.
O equipamento, que se assemelha a um aquário de vidro, contém líquido amniótico sintético mantido a 37,6 °C e simula o ambiente intrauterino com alta precisão, segundo informações do The Guardian.
Como funciona a tecnologia AquaWomb
O funcionamento do sistema é sofisticado. Bebês extremamente prematuros, com cerca de 22 a 24 semanas de gestação, são transferidos do útero da mãe para o tanque por meio de uma cesariana. Em seguida, os médicos religam o cordão umbilical a uma placenta artificial que realiza a troca gasosa e fornece nutrientes, permitindo que o bebê continue seu desenvolvimento fora do útero sem precisar respirar ar.
Essa transição é crítica: se o sistema falhar, há apenas dois minutos até que a falta de oxigênio cause danos cerebrais irreversíveis. “É como fazer malabarismo com dez bolas em chamas, e deixar uma cair não é uma opção”, afirmou Frans van de Vosse, professor de biomecânica cardiovascular da Universidade de Tecnologia de Eindhoven.
Desafios éticos e sociais
Apesar do potencial, a tecnologia levanta uma série de dilemas éticos e emocionais. A pesquisadora Elizabeth Chloe Romanis, especialista em direito médico da Universidade de Durham, afirmou ao jornal britânico que o uso desses dispositivos “cria uma nova etapa do desenvolvimento humano, algo que nunca tivemos que descrever ou regulamentar antes”.
O debate gira em torno de questões como: até que ponto a medicina deve intervir? Como garantir o consentimento informado de pais em situações de desespero? E como o uso da tecnologia impacta o vínculo parental, sobretudo em mães que enfrentam sentimentos de falha por não conseguirem levar a gravidez até o fim?
A reportagem do The Guardian ilustra esses dilemas com o caso de Beth Schafer, uma mãe que perdeu seu filho aos 23 semanas de gestação. Dois anos depois, ela continua a lidar com o luto e as dúvidas sobre o que poderia ter sido feito. Ao conhecer a tecnologia da AquaWomb, Beth questiona: “Se essa tecnologia existisse, eu seria uma má mãe por não usá-la?”
A resposta não é simples. Para muitos pais, a existência do dispositivo representa esperança. Para outros, uma pressão a mais. “Já tratam você como egoísta se não tenta todas as intervenções. Isso seria mais uma coisa a ser usada contra você”, disse uma participante de um grupo de apoio citado na matéria.
Expectativas para os próximos anos
A máquina da AquaWomb ainda não está pronta para uso clínico, mas a expectativa é que testes com humanos comecem em breve. Nos Estados Unidos, a FDA (Food and Drug Administration) já discute a liberação de ensaios clínicos com bebês nascidos antes das 24 semanas, hoje, um dos maiores desafios da medicina neonatal. Mais de 10 mil crianças nascem anualmente nessa janela crítica apenas nos EUA.
Outra iniciativa promissora é a do Hospital Infantil da Filadélfia (CHOP), cujos cientistas conseguiram manter cordeiros vivos por 28 dias em um ambiente similar. Apesar disso, os envolvidos evitam chamar seus projetos de “úteros artificiais”, devido às associações com a ficção científica e aos debates sobre “ectogênese completa”, o nascimento inteiramente fora do corpo humano.






