A ideia de que o cérebro “precisa de combustível constante” para funcionar bem acaba de ser colocada em xeque. Uma ampla revisão científica realizada por pesquisadores internacionais concluiu que adultos saudáveis mantêm o mesmo nível de desempenho cognitivo — em testes de memória, atenção e funções executivas — independentemente de estarem alimentados ou em jejum.
A meta-análise reuniu 63 estudos publicados entre 1958 e 2025, abrangendo 3.484 voluntários avaliados em 222 diferentes parâmetros de cognição. O resultado desafia a crença de que períodos prolongados sem comida causam lentidão mental ou distração, reforçada por anos de campanhas publicitárias e hábitos culturais.
“A alimentação com restrição de tempo e o jejum intermitente tornaram-se práticas de bem-estar extremamente populares na última década. Milhões de pessoas o fazem em busca de benefícios de longo prazo — desde o controle de peso até a melhora da saúde metabólica”, escreveu David Moreau, professor associado de Psicologia na University de Auckland, da Austrália, e um dos autores do trabalho, em artigo publicado no The Conversation. “O jejum não é apenas uma moda passageira. Ele ativa um sistema biológico refinado ao longo de milênios para ajudar os humanos a lidar com a escassez.”
Ele explicou que, quando comemos regularmente, o cérebro funciona principalmente com glicose, armazenada no corpo como glicogênio. Mas, após cerca de 12 horas sem alimento, esses estoques começam a se esgotar.
“Nesse ponto, o corpo faz uma troca metabólica inteligente: começa a decompor gordura em corpos cetônicos (como acetoacetato e beta-hidroxibutirato), que passam a servir como fonte alternativa de energia”, acrescentou. “Essa flexibilidade metabólica — essencial para a sobrevivência de nossos ancestrais — agora é associada a uma série de benefícios à saúde.”
Segundo Moreau, alguns dos efeitos mais promissores do jejum vêm da forma como ele reorganiza processos internos do corpo. Ele citou como exemplo a ativação da autofagia, uma espécie de “equipe de limpeza” celular que remove componentes danificados e os recicla. Além disso, melhora a sensibilidade à insulina, ajudando o corpo a controlar o açúcar no sangue de forma mais eficaz e reduzindo o risco de doenças como o diabetes tipo 2.
“E as mudanças metabólicas provocadas pelo jejum parecem oferecer proteção mais ampla, reduzindo a probabilidade de desenvolver doenças crônicas frequentemente associadas ao excesso alimentar”, salientou o professor.
Esses benefícios fisiológicos tornam o jejum atraente. Mas muitos hesitam em adotá-lo por medo de que o desempenho mental piore sem um fornecimento constante de alimento.
A meta-análise realizada por Moreau e seus colegas revelou três fatores que podem alterar a forma como o jejum afeta o cérebro. O primeiro é a idade. “Adultos não apresentaram queda mensurável no desempenho mental ao jejuar. Mas crianças e adolescentes tiveram pior desempenho em testes quando pularam refeições”, ele pontuou, complementando que seus cérebros em desenvolvimento parecem mais sensíveis a variações no fornecimento de energia.
O segundo fator é que o momento do teste tem influencia. Os pesquisadores descobriram que jejuns mais longos estavam associados a uma menor diferença de desempenho entre estados alimentados e em jejum — possivelmente devido à transição para o uso de corpos cetônicos. E que que o desempenho de pessoas em jejum tende a piorar quando os testes ocorrem no fim do dia, sugerindo que isso pode amplificar quedas naturais no ritmo circadiano.
Por fim, o tipo de teste também teve impacto. O professor indicou que, quando as tarefas envolviam símbolos ou formas neutras, os participantes em jejum tiveram desempenho igual ou até ligeiramente melhor. Mas, quando incluíam estímulos relacionados a comida, o desempenho caiu.
“A fome não cria uma ‘névoa mentala generalizada, mas nos torna mais distraídos quando o tema é alimento”, enfatizou o autor. “Para a maioria dos adultos saudáveis, os resultados são tranquilizadores: é possível adotar o jejum intermitente ou outros protocolos semelhantes sem comprometer a clareza mental.”
Mas ele ponderou que o jejum não é uma prática universal, e que cautela é recomendada para crianças e adolescentes, cujos cérebros ainda estão em desenvolvimento; para pessoas cujo trabalho exigem máxima atenção no fim do dia, e para grupos específicos, como indivíduos com condições médicas ou necessidades alimentares especiais.
“No fim das contas, o jejum deve ser encarado como uma ferramenta pessoal, não uma receita universal. Seus benefícios e desafios variam de pessoa para pessoa”, finalizou.






