Você já enxergou um rosto em uma nuvem, na fachada de um carro ou em algum outro objeto? Essa experiência, conhecida como pareidolia facial, é uma ilusão comum na qual o cérebro identifica padrões faciais onde eles não existem de fato. No entanto, para pessoas com a síndrome da neve visual, um distúrbio neurológico raro, esse fenômeno acontece com muito mais frequência e intensidade.
A descoberta foi relatada pela pesquisadora Jessica Taubert, da Universidade de Queensland, em um artigo publicado no portal The Conversation. Segundo o estudo, indivíduos com essa condição tendem a ver rostos de forma mais intensa em imagens ambíguas do cotidiano, como cascas de árvores ou xícaras de café.
O que é a síndrome da neve visual?
A síndrome da neve visual é caracterizada pela percepção constante de pontos cintilantes, semelhantes ao ‘chiado’ de uma televisão antiga, em todo o campo de visão. Esses pontos são persistentes e permanecem mesmo no escuro, e são um dos sintomas enfrentados por quem convive com a condição.
Além da ‘neve’ visual, pacientes frequentemente relatam sensibilidade à luz, imagens residuais que permanecem após a movimentação de objetos e enxaquecas. Ainda pouco compreendida e subdiagnosticada, a síndrome tem sido associada à hiperatividade no córtex visual, região do cérebro responsável pelo processamento de estímulos visuais.
Para investigar como essa atividade cerebral anormal afeta a interpretação de imagens, a equipe de Taubert realizou um experimento com mais de 250 voluntários. Os participantes responderam a um questionário para identificar sintomas da síndrome e, em seguida, avaliaram 320 imagens de objetos comuns quanto à presença de rostos, atribuindo notas de 0 a 100.
Dos participantes, 132 foram classificados como portadores da síndrome da neve visual, e 104 formaram o grupo de controle, com perfis de idade semelhantes. O estudo também considerou a ocorrência de enxaquecas entre os voluntários, criando quatro subgrupos de análise.
Resultados: um cérebro que vê demais
Os resultados foram consistentes e reveladores: pessoas com a síndrome deram pontuações mais altas para todas as imagens, indicando maior propensão à pareidolia facial. Aqueles que também relataram sofrer de enxaqueca apresentaram os maiores índices de identificação de rostos ilusórios.
Segundo a autora, os achados reforçam a hipótese de que o cérebro dessas pessoas é hiper-responsivo. Normalmente, o sistema visual emite “palpites” rápidos sobre o que está sendo visto e, em seguida, os verifica de forma mais lenta e precisa. Quando esse ciclo é interrompido por uma atividade neural excessiva, ilusões como a pareidolia são intensificadas, e não corrigidas.
Enxaqueca e pareidolia: conexões possíveis
A pesquisa destaca ainda uma conexão entre enxaqueca e a síndrome da neve visual, sugerindo que ambas compartilham caminhos neurais relacionados à sensibilidade visual exacerbada. Durante crises de enxaqueca, os neurônios visuais se tornam mais suscetíveis a estímulos como luz, movimento e contraste, fatores que podem ampliar ilusões como a pareidolia.
Essa relação, segundo Taubert, pode abrir caminho para futuros testes diagnósticos mais acessíveis. Avaliações baseadas em pareidolia facial são rápidas, não invasivas e podem ajudar a identificar condições neurológicas pouco reconhecidas.
Ao observar objetos aparentemente comuns, pessoas com a síndrome da neve visual vivem uma experiência perceptiva intensificada e, por vezes, exaustiva. O estudo reforça que a percepção humana não é uma reprodução exata da realidade, mas sim uma construção neurológica sujeita a falhas e exageros.






